Lucynier Omena*
Já se tornou rotina a exposiçã o nos noticiários da TV, nos jornais e, sobretudo nas redes sociais, dos horrores cometidos mundo afora, em nome da religião.
Uma realidade que nos induz a achar que estamos ao abrigo dos excessos, da naturalização da violência vinda dos conflitos religiosos.
Dei-me conta dessa realidade uns anos atrás, durante uma sessão especial ocorrida na Assembleia Legislativa do Amazonas como parte das comemorações do dia da Consciência Negra. Entre as várias autoridades presentes, encontrava-se dom Sergio Castriani, o arcebispo de Manaus.
Era, aparentemente, um dia de expediente normal, entretanto, no subsolo, próximo à plenária, a sala Vip estava lotada.
Por toda parte viam-se homens e mulheres trajando branco com turbantes e colares de diversos tamanhos e cores, roupas e adereços característicos dos praticantes das religiões de origem africana.
O colorido das vestimentas contrastava muito com a dita sobriedade do lugar civil.
A presença dos povos de terreiro na Aleam tinha como objetivo lançar à sociedade amazonense uma campanha em defesa da liberdade de crença e contra o ódio religioso, violências que há anos vem vitimando vários pais e mães de santo.
Agressões e homicídios com motivação religiosa são da rotina nas quatro zonas da cidade, transformando o que deveria uma prática individual – a crença religiosa, a fé no ser supremo – em instrumento de ódio e intolerância.
Eu sabia que havia discriminação. Os negros tornaram-se livres num país ainda sob um regime de governo monárquico e a nação brasileira só começou a perceber o verdadeiro significado da palavra democracia somente nos últimos trinta anos.
Nesse espaço de tempo surgiram novos segmentos dentro das igrejas protestantes, – ou evangélicas como denominamos mais comumente no Brasil – que elegeram os adeptos dos cultos afros como inimigos e principais “culpados” de todas as mazelas a que estamos expostos na sociedade moderna.
Os descendentes das pessoas escravizadas no Amazonas, ainda não conheceram o significado da palavra liberdade, e com “agravantes”: a cor da pele, a opção sexual manifestada ou não, e a pobreza associada à desinformação e à manipulação da mídia, na qual se encontra a maioria.
Isso pode ser verificado, principalmente nos registros policiais, para onde “esse problema” normalmente é encaminhado.
Não é raro a esses casos estamparem as páginas dos jornais sensacionalistas nos expondo a uma simples conclusão: para as instituições públicas, a intolerância religiosa ainda é, em grande medida, mais um problema de polícia que uma questão social.
Em razão da não aceitação do “outro” com suas diferenças e especificidades, o que deveria ser a prática corriqueira de civilidade, transforma-se numa política de segurança pública. Em que a condição de estado laico assegurado constitucionalmente, é ignorada e desvirtuada todos os dias, com aval dos três poderes constituídos.
*A autora é socióloga e mestre em processos socioculturais na Amazônia pela Ufam.