Paes Loureiro diz que até as universidades tratam os mitos amazônicos com desprezo
O poeta e escritor João de Jesus Paes Loureiro disse ontem, em Manaus (AM), que os mitos amazônicos precisam ser pesquisados e elaborados teórica, pedagógica e artisticamente, para que sejam entendidos, pela sua significação profunda, “como interpretação de uma realidade”.
Paes Loureiro fez palestra no Café Literário da 34ª Feira de Livros do Sesc, sessão das 20h às 20h45, sobre Imaginário, cultura popular e literatura na Amazônia. O evento está sendo realizado no Centro de Convenções Vasco Vasques, no complexo Arena da Amazônia, e encerra-se amanhã à noite.
A palestra de Paes Loureiro foi medida pela filosofa e escritora Neiza Teixeira, com apresentação do poeta Dori Carvalho.
Segundo Loureiro, ao contrário dos mitos gregos, os mitos amazônicos são vistos, inclusive pelas universidades, como algo do passado, quando ele entende que: “O mito na Amazônia é uma alegoria da realidade como interpretação dela [da Amazônia]”.
Trechos da palestra:
A cultura amazônica, normalmente é dada, até nas universidades, como coisa do passado.
A mitologia amazônica é dada como coisa do passado. Eu não penso assim. Eu penso que a cultura amazônica é vivente no presente, atuante no presente, que interage e que se inter-relaciona com a cultura-mundo, queiramos ou não. Mas se inter-relaciona.
Por conseguinte, não é uma cultura que se vá buscar no museu da memória, que vá se buscar no passado, porque é no presente que ela existe; e é no presente que a sua dimensão mítica se realiza também.
Porque o mito na Amazônia não é apenas uma criação para revelar, pelo conteúdo, o ordenamento de situações sociais e, pela forma, uma dimensão poética.
O mito na Amazônia é uma alegoria da realidade como interpretação dela[da Amazônia]
Não é, portanto, algo que se desligue e se desloque, e se afaste da realidade; pelo contrário, o mito é uma forma de penetração profunda na realidade amazônica, para compreendê-la, percebê-la numa forma de alegoria.
E a cultura amazônica, eu percebi, tem essa dominante poética no seu imaginário, porque é uma cultura que tem no imaginário uma forma de perceber e compreender as coisa por uma emoção ao lado de uma razão, de uma racionalização.
Como assim? Ela é uma cultura que é sentimento, que é compreensão do mundo, que é produtora de compreensão do mundo
Ela é produtora de conhecimento para nós e para além da nossa realidade.
Mas ela precisa ser compreendida como tal. Não é por milagre que essa compreensão possa acontecer.
Lamentavelmente, é no sistema de ensino – que é o sistema que mais influencia a formação da nossa compreensão do mundo através do nosso trajeto antropológico –, que, de um modo geral, a cultura amazônica é apresentada como algo pitoresco, algo do passado, algo que revela um conhecimento que não tem tanto a ver mais com o presente, como se fosse algo deslocado da contemporaneidade.
E o mito é sempre tratado de uma forma pitoresca, de forma risível, de uma forma não compreensível, e pelo lado, digamos, mais engraçado folclorizante.
Qualquer mito tem o lado engraçado e folclorizante, desde os mais célebres da Grécia Antiga até aos atuais da Índia […]
É uma das possibilidades [de interpretação], no entanto, não é [por esse viés] que temos que compreender o mito. Temos que compreender o mito pela sua significação profunda, como a compreensão de uma realidade.
Mas, para isso, tem que ser trabalhado teoricamente; tem que ser trabalhado pedagogicamente; com pesquisa; tem que ser trabalhado artisticamente também, porque a arte tem contribuído para essa dimensão folclorizante, pitoresca e, por vezes, eventual.
Parabéns ao escritor Dr. Wilson Nogueira pela matéria. O escritor e pesquisador Dr. João de Jesus Paes Loureiro, tem dedicado a produção intelectual sobre os mitos, crenças e o imaginario dos povos amazônicos, há mais de 20 anos. Nesse sentido, penso que uma das maneiras de incentivar e valorizar essa diversidades de mitos, encontra-se na escola. Espaço de formação à cidadania, espaço propício a metodologias pedagógicas criativas que possam usar o conteúdo dos mitos e lendas amazônicas de maneira transversal dialogando com a história, geografia, português, matemática, ciências dentre outras disciplinas. Penso ser fundamental a apropriação do acervo universal cultural, já produzida pela sociedade, esteja acessivel a todas as pessoas e trabalhada de maneira criativa na formação humanizada e cidadã das futuras gerações de amazônidas.
Nós que conhecemos a Amazônia urbana, somos sabedores que os mitos estão vivos no imaginário do nosso povo. Como diz o filósofo Dr. Mario Sergio Cortella: ” É tempo para o conhecimento “.