Entre crianças do povo Yao de Moçambique [por Aldenice Noronha Trigo]
Jornalista amazonense relata experiência em missão religiosa cristã

*Aldenice Noronha Trigo
Quando deixei Manaus há 15 anos não imaginava o que me aguardava em Moçambique como missionária ligada aos Jovens Com Uma Missão (Jocum).
Aqui me casei, tenho uma filha e me dedico a um trabalho que jamais pensei em realizar: ajudar crianças vulneráveis a receberem educação de qualidade.
Desde que eu e Pedro, meu marido, começamos a viver na aldeia de Itepela, no Distrito de Ngauma, província do Niassa, me incomodava profundamente que muitas crianças e adolescentes não frequentassem a escola pública do bairro ou que abandonassem as aulas no meio do ano letivo.
Me perturbava que mesmo aqueles que conseguiam chegar à 5.ª ou 6.ª classes continuavam sem saber ler e escrever.
Os índices oficiais de analfabetismo eram assustadores: cerca de 80% dos 11 mil moradores eram analfabetos.
Não dava para ficar indiferente a esse quadro.
Afinal, eu tinha vindo para cá para servir a Deus e isso envolve servir pessoas.
Eu precisava sair da contemplação e fazer algo.
Não tenho formação em Pedagogia (fiz Jornalismo e exerci a profissão por mais de 10 anos), mas decidi que podia ajudar outros a pelo menos ler e escrever.
Depois de uma tentativa de promover a alfabetização de adultos e de uma classe de reforço para crianças entendi que Deus estava me desafiando para levar para Itepela o Centro Educacional Caminho da Vida (Cecavi), um projeto de educação infantil que nossa missão já vinha realizando com sucesso na cidade de Lichinga.
Participei de alguns treinamentos básicos e em 2016 iniciamos a primeira pré-escola atendendo 25 crianças de três aldeias.
Um desafio gigantesco que só foi vencido com a ajuda de familiares, irmãos em Cristo, amigos e parceiros de diferentes lugares do mundo.
Sim, foi preciso pedir socorro porque os alunos são filhos de agricultores, cuja renda anual gira em torno de 1.200 a 1.500 reais.
Pagar mensalidade em escola privada é algo impossível para essas famílias.
Decidimos fazer campanhas anuais para comprar livros didáticos, camisa do uniforme, material escolar, lanche e uma ajuda financeira para os professores voluntários da comunidade, que treinamos na própria escola.
Cada participante adota uma criança com o valor que pode.
Neste ano 56 crianças de 5 a 8 anos estão sendo apadrinhadas por irmãos em Cristo, amigos e parceiros do Brasil, El Salvador, Chile, México e, é claro, Moçambique.
A participação local fica por conta da Direção de Educação do nosso Distrito, que apoia com os livros de Português e Matemática da 1.ª. e 2.ª classes, o Hospital que oferece gratuitamente os atestados médicos para ingresso na escola, e os pais que contribuem com milho, feijão e amendoim que moemos e fazemos uma papa rica em ferro servida com leite uma vez por semana, que tem ajudado a combater a anemia das crianças.
É na escola que mais de 90% delas têm acesso a leite.
Diariamente oferecemos café da manhã (aqui chamamos mata-bicho) seguindo um cardápio variado a base de batata-doce, mandioca, abóbora cozida, pão com manteiga de amendoim e mingau de arroz, sempre acompanhados de um copo de chá ou de chocolate com leite.
Depois de brincarem no intervalo, um lanchinho simples para suportarem até chegar em casa para o almoço.
Os desafios não param porque no próximo ano deveremos dar um passo maior, já que pretendemos iniciar o 2.º ciclo, que compreende 3.ª, 4.ª, e 5.ª classes. Vale a pena todo o esforço.
Afinal, estas crianças merecem.
*A autora é jornalista e missionária de Jovens Com Uma Missão (Jocum) entre o Povo Yao de Moçambique