Às vezes, um texto nos cai às mãos e sua leitura, que se pretendia apenas ocasional, converte-se em objeto de uma reflexão mais profunda.
Na minha atividade de livreiro e editor, isso ocorre com certa frequência, dada a natureza dessa atividade, que é a de lidar com textos publicados ou a publicar.
Há alguns dias, tive acesso a um desses poemas maravilhosos, publicado em 1968, de autoria do escritor pernambucano Marcos Acyoli, que transcreverei na íntegra ao final deste artigo.
O texto me remeteu ao tema do fazer poético e, embora a literatura, especialmente a poesia, faça parte da minha vida, o poema de Acyoli me levou a concluir que não basta apenas a vontade de construir poemas.
O poeta precisa ter talento e dom, conhecimento e muito trabalho, pois do contrário jamais produzirá arte de valor, capaz de atingir o intocado, tornado imanente à transcendência humana.
Vivemos em um tempo estranho, tempo de transição, angústia e dor; tempo marcado pela intolerância, em que o ter em detrimento do ser está na ordem do dia; tempo de contradição, pois todo avanço tecnológico alcançado pela humanidade não foi capaz de mostrar ao homem o caminho da convivência pacífica.
A poesia cumpre um papel fundamental, pois torna a vida suportável, e é na poesia que muitos, já sem esperança e prestes a um desatino, encontram alento para prosseguir na caminhada.
Traduzir a vida e o mundo em versos é o ofício do poeta, mas, para ser poeta, é necessário ingressar na universidade humana, em um curso cuja duração é a existência.
São anos ou a vida inteira na busca do conhecimento, mergulhado na literatura, na filosofia, na arte, na estética; na pesquisa da poesia escrita pelos seus predecessores.
Nela: compreender a métrica, o ritmo, a rima, a imagem, a metáfora.
Também apreender a gênese da literatura, do mito, dentre outras questões básicas, como a melodia e a assonância.
Tudo isso e mais tantos outros conhecimentos, ainda não garantem ao estudioso ser poeta.
É necessário mais para poder enganar os deuses e afagar os demônios. É preciso, como já disse no início, dom, talento e muito trabalho.
O mundo precisa da poesia e dos poetas, sem eles a existência fica despojada da tragédia, da magia e da beleza.
Tece, tece, tece, tece
Bem tecida essa canção.
Uma a uma, fio por fio,
Como faz o tecelão
Que fabrica o seu tecido
De cambraia de algodão.
Prende os fios coloridos
No labor da tua mão,
Tece, tece, tece, tece
Bem tecida essa canção,
Com carinho, com cuidado,
Com silêncio, e solidão.
Tece, tece, que tecendo
Cresce, cresce a fiação,
Urde as formas das estampas,
Firma as cores do padrão,
Roda a roda, tece, tece
Bem tecida essa canção.
Noite e noite, sempre e sempre,
Nunca inútil, nunca em vão,
Dia a dia te aproximas
Mais e mais da perfeição.
Não te falte uma esperança,
Nem te falte uma razão
Que tecida por ti mesmo
Faz nascer essa canção.
Tece, tece, muito e muito,
Por dever e obrigação,
(Pois tecer é teu ofício
De poeta e tecelão)
Tece, como se tecesses
Tua morte ou redenção,
Com amor e sacrifício,
Rapidez e lentidão,
Muito embora ninguém saiba
Que teceste esta canção
Com os fios de teu pranto
No tear do coração.
*Esse texto foi publicado no extinto Jorna do Norte (Manaus), em 18/11/2003
**Isaac Maciel é Jornalista e editor da Valer.