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Outro Mundo é Possível [Fátima Guedes**]

Somente os utópicos podem ser proféticos; somente podem ser proféticos                                                    os portadores de esperança... (Paulo Freire)

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 Fazer o quê?!…

É o sussurro angustiado da comunidade humana frente às agressividades do covid-19. O volume de incertezas ativa inquietações e me reporta para o V Fórum Mundial de Porto Alegre (2005) – Outro Mundo Possível. Ali absorvi nutrientes com sabor de desafios – Quixotes e Quixotas hoje. Sob a maestria dialógica do Nobel de Literatura Portuguesa, José Saramago; do Jornalista e Sociólogo, Inácio Ramonet e do Jornalista e Escritor, Eduardo Galeano energizei-me de estratégias por outro mundo possível.

Os desafios por vida plena e digna são seculares. Atualmente as estratégias sistêmicas de defesa e prevenção ao covid-19 impõem isolamento social, toques de recolher, máscaras, álcool em gel, água sanitária, kits de “cura” e etc.: pegada perfeita à lucratividade do mercado da doença e de cínicas campanhas eleitoreiras.

Tal somatória silencia e até nega saberes e conhecimentos tradicionais de prevenção e autocuidado: quanto maior a dependência às manobras financeiristas, maior lucratividade e empoderamento de nulidades.

De mãos dadas, o imperialismo virtual aproveita-se do analfabetismo social e se declara a única saída dialógica: sem mim nada podeis fazer. Admita-se: a pandemia midiática é a droga do século: viciou as massas que, por sua vez, sufocaram o autopoder criativo de reinventar; de intervir e transformar a partir de jeitos sustentáveis de vida comunitária.

Se a humanidade virou refém do vírus, de tecnologias imperialistas e das perversidades mercadológicas, retumba sobre Quixote e Quixotas (imunes à pandemia midiática) o alerta do Fórum Social de 2005 – Outro mundo é possível.

A história prova. Após guerras, catástrofes, pragas, sistemas fascistas e escravagistas, forças políticas solidárias intervêm e reinventam inéditos humanamente viáveis independentemente de estratégias mercantis. São referências: os cuidados popular/tradicionais de Parteiras, Benzedores, Erveiros, Pegadores de Desmintiduras* e outros, quando tecnologias salvacionistas ignoram comunidades desassistidas da Amazônia; as rezas de Dona Lia, Benzedeira de Parintins, quando da retirada de espinhas de peixes engolidas acidentalmente e do alinhamento da mãe do corpo*; as fórmulas curativas e preventivas do Sr. Evandro Moura (Parintins); os energizantes de jatobá, cragiru*, própolis; os lambedores de copaíba, andiroba; os banhos repelentes de mucuracaá*, capitiú*, envira taia*…

 Referências ainda de reinvenções da vida constatam-se nas trocas solidárias em territórios periféricos, quando o dito Estado Democrático nega o Artigo 5o da Constituição Federal… Outras comprovações sobre a possível reinvenção da histórica constam na Obra de José Saramago, Ensaios sobre a Lucidez. Enfim, tudo é possível quando a esperança se transforma em ação libertadora.

Quixotes e Quixotas em Movimento

A manhã tem pressa… Os clamores do dia teimosiam por sabedorias silenciadas… Ouvem-se apenas tímidos acordes… A fraca afinação isola o eco entre as distâncias que hoje nos separam. É compreensível: a espada impôs o medo, e a ‘santa cruz’ o abençoou. São mais de quinhentos anos de adestramento; são mais de quinhentos anos de extermínio e massacre biocultural; são mais de quinhentos anos por resgate identitário…

Apesar da nebulosidade estrutural, Quixotes e Quixotas, mesmo timidamente, resistem e insistem semear nas periferias fagulhas de Educação Popular através de jeitos organizativos e viáveis em tempos difíceis. São quefazeres* comunitários: estratégias de cuidados sintonizados com saberes popular/tradicionais; com os prescritos da OMS (Organização Mundial de Saúde) – estado completo de bem-estar físico, mental e social e não apenas ausência de enfermidades; com o Artigo 196 da Constituição Federal: Saúde direito de todos e dever do estado […]; e com ênfase nos referenciais ditados no SUS: saúde, educação, moradia, trabalho e renda, saneamento básico, transporte, em condições dignas.

Outros olhares são acolhidos nessa construção: a Probiótica* interage a partir da concepção de Saúde como ato de ‘escolha fundamentado em autoeducação, autodefesa/ autocuidado e auto responsabilidade. A profundidade do conceito conduz à problematização da realidade. Assim, ‘escolhas’ exigem referenciais equitativos…

Que condicionantes sociais o estado disponibiliza para o desenvolvimento da Saúde sob as luzes da Probiótica?… É possível fazer ‘escolhas’ saudáveis num sistema sem perspectivas humanizantes?… São problematizações pertinentes na efetivação dos quefazeres. A reinvenção histórica pressupõe uma dialética universalmente humana cuja síntese se materialize em relações justas e fraternais.

Em resumo, Dona Altina Oliveira, da Pastoral da Criança (Parintins), universaliza o propósito dos quefazeres comunitários, enquanto construção cotidiana via relações fraternais entre humanos e Terra Mãe – Saúde é todo mundo se ajudando a viver bem.

Quefazeres em Saúde

O ensaio comunitário aponta possibilidades fraternais e exequíveis. Independentemente de tempo, espaço e conjuntura as ações semeadas na cidade de Parintins/AM, através da Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta (célula de Educação Popular e Saúde), ensaiam outra realidade urbana possível via Quintais Urbanos – Canteiros de Bem Viver*.

A Teia se articula via troca de informações, de experiências em agroecologia, em saberes popular/tradicionais e economia solidária com educadores populares, mulheres artesãs, viveiristas, curadores populares, comunicadores, ambientalistas, profissionais da saúde e universitários. O universo simbólico da Aranha – em perene diálogo com a Mãe Terra – é a fonte inspiradora para o coletivo garantir a sustentabilidade da vida, da célula organizativa e do espaço comunitário.

Embora tímida a experiência frente às demandas, constataram-se sutis mudanças dos envolvidos nas relações com ambiente urbano de Parintins. Além do olhar cuidadoso com os quintais, a Teia teima na implantação da Política Nacional dos Resíduos Sólidos (Lei 12.305/2010) até aqui ignorada por quem de dever e de direito. Daí, embalagens recolhidas, selecionadas semanalmente pelas Aranhas* são entregues à Associação dos Catadores (ASCALPIN) e/ou reutilizadas em artesanatos em prol da economia solidária.

Os princípios da Educação Popular – Diálogo, Amorosidade, Troca de Saberes e Conhecimentos, Problematização, Emancipação, Projeto Popular Democrático – anunciados pelo Educador Paulo Freire são sustentáculos da Teia, pontes de revitalização de nossa herança biocultural, de nossa relação com a Mãe Terra.

Nas palavras do Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia, Edilson Albarado, a Teia é um ‘canteiro’ para semeadura e inovação de bem viver. É estratégia popular de prevenção e promoção da qualidade de vida, caminho de sustentabilidade, equilíbrio ambiental e saúde universal.

 Dizeres e Fazeres

Dizeres e fazeres se entrelaçam na troca entre saberes e conhecimentos presentes nos princípios da Educação Popular em Saúde. Esta nasce na contramão da ditadura militar, quando o Educador Paulo Freire sistematizou ideias, princípios, metodologias participativas e emancipatórias como possibilidades de outra educação para os brasileiros. Em princípio, a Educação Popular pressupõe que todos e todas detêm saberes oriundos de experiências de vida: Ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os humanos se educam entre si, mediatizados pelo mundo (Pedagogia do Oprimido, 2005, 78).

A proposta Freireana apresenta-se numa possível saída para a atual conjuntura sobre busca de qualidade de vida. Os desafios pela reinvenção histórica podem encontrar respostas via Educação Popular cujos princípios conduzem ao dizer/fazer libertário expressado na participação social por direitos universais: saúde, educação, moradia, lazer, alimentação, transporte, cultura, saneamento e a outros direitos fundamentais já pretendidos na ética do SUS: universalidade, integralidade, equidade, descentralização e controle social.

Sob essas trilhas a Teia inventa fazeres em Parintins, no que sobrou de quintais urbanos (hoje, em maioria, limitados por calçamentos, esgotos e entulhos). Nesses espaços, acontecem Rodas de Quintais abordando-se agroecologia, saberes popular/tradicionais, economia solidária e espiritualidade.

A cada Roda intensifica-se a toada do despertar sobre cuidados com os Quintais Urbanos, enquanto Canteiros de Bem Viver: Educação ambiental começa em nosso quintal. Amigos e vizinhos interagem, problematizam a realidade daqueles espaços, rememoram ancestralidades em suas relações com a Mãe Terra.

Compartilham rituais de reverência, conservação do solo, destinação correta de resíduos sólidos e orgânicos, cultivo de espécies com foco na alimentação saudável e na economia solidária, espaço de lazer e etc. Nesse fluxo dialógico, participantes se elegem aranhas dos próprios quintais.

Outro fazer da TEIA: as Feiras de Quintais – espaços de acolhimento aberto à comunidade. As Aranhas se reúnem em espaço público disponível e desenvolvem seus fazeres: círculos místicos; café 3sss (saberes, sabores e saúde); oficinas de artesanatos; roda das crianças e economia solidária.

Os círculos místicos abrem as feiras com cantares, poesias, ritmos, banhos… Destacam-se: celebrações da Lua em suas fases diversas; lavagem das mãos e defumações com ervas energéticas; o toque dos tambores da Umbanda; e manifestações espontâneas de propósitos com a Saúde da Mãe Terra. Encerra-se o círculo com um abraço coletivo.

Na sequência, compartilha-se o café 3sss com alimentos, em maioria, produzidos nos quintais: frutas, suco verde e outros; pé-de-moleque, tapioca, bolos de macaxeira, de milho, de arroz; leite de amêndoas, chás e café. Segue a Feira com as oficinas de artesanatos, a partir da reciclagem de resíduos sólidos, pelas Aranhas Artesãs, sob a inspiração da Deusa Arachne*.

A Feira também oferece cuidados de Saúde sob a Tenda de Cuidados Ilza Azevedo*: benzedeiras, erveiras e puxadoras espirituais* compartilham seus saberes com a comunidade interessada. Enquanto as Aranhas adultas realizam as oficinas, Aranhazinhas* tecem seus fazeres: estratégia criada pela TEIA com o propósito de despertar nos pequeninos a autoconscientização e o protagonismo do cuidado com a Saúde universal.

A Roda das Crianças é tecida através de atividades lúdicas, artístico-literárias – poesias, contos, lendas, histórias em quadrinho, recorte e colagem, desenho e pintura, brinquedos artesanais, gincanas, antigas brincadeiras com temas relacionando Aranha/Mãe Terra.

O conjunto das ações reflete o perfil da economia solidária tecida pela Teia – espaço onde as Aranhas são responsáveis pelo bem viver coletivo. A produção e lucro dos quintais (frutas, verduras, plantas medicinais, ornamentais, frutíferas e etc.), os artesanatos, os alimentos funcionais e fórmulas naturais de cura são compartilhados solidariamente.

Eis o desafio…

O ontem ecoa sobre o hoje embotado pelo contágio genocida do covid-19 e de sistemas mundiais tecnicistas, mercadológicos, sem humanidade.

Aranhas tecem possibilidades aqui e agora; ativam sonhos e reinventam a vida em diálogo com princípios universalmente saudáveis. É a centelha acalantada no tição da última fogueira… É a Utopia transgressora instigando quefazeres a partir jeitos comunitários de viver Saúde.

Fico por aqui. Desde a madrugada chegam-me canções de luz. Impossível dormir…É a última hora, o retezinho* de esperança por um novo dia.

*Falares da casa/Referências

Aranhasdenominação aos adultos integrantes da TEIA.

Aranhazinhasdenominação aos pequeninos da TEIA.

Capitiú – Siparuna guianensis

Crajiru – Fridericia chica

Envira taia – Annona densicoma.

Deusa ArachneDeusa aranha que tece o destino humano, dos animais, das plantas e das rochas. 

Mãe do corpo“Centro de conexão com a Mãe Terra, localizado três dedos abaixo do umbigo”. (FAUR, Mirella. Círculos Sagrados para mulheres contemporâneas. 2011, p. 92. São Paulo – PENSAMENTO).

Jatobá – Hymenaea courbaril

Mucura caá – Petiveria alliacea

Probiótica – Pro = a favor; bio = vida; Medicina a favor da vida. (SUK YUM, Jong. ABC da Saúde. 1988, p. 35. São Paulo – CONVITE).

Pegadores de Desmintiduras – curador que cuida de contusões e alinha ossos deslocados.

Puxadoras espirituaisquem realiza massagens através de orações e benzimentos.

Quefazeresconceituação para teoria/prática; reflexão/ação. (FREIRE, Paulo. Pedagogia do Oprimido. 1970, p. 122. Rio de Janeiro – EDITORA PAZ E TERRA S/A.

Quintais Urbanos – Canteiros de Bem Viverpublicação completa no site www.amazoniareal.com.br.

Retezinho linguagem popular designativa de fragmento; resíduo.

Tenda de Cuidados Ilza Azevedoespaço de acolhimento com puxação espiritual, benzeção e orientações sobre cuidados naturais de saúde. Ilza Azevedo é homenagem à memória de uma aguerrida militante.

**A autora é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJ F) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Guararema (SP). É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta, e Militante da Marcha Mundial das Mulheres. Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia, Algemas Silenciadas.

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2 Comentários
  1. Maíra Diz

    Acredito que esse “caos” que estamos vivendo, é um portal para o novo. O novo que na verdade, é o velho que está sendo resgatado por muitos adormecidos. Num momento em que contato com a natureza e ar puro se tornou ostentação, muitos estamos despertando para a cura natural… quando na verdade ela sempre foi a única cura que existiu.

  2. Ilma Diz

    Gostei de conhecer a atuação da TEIA. São tcituras de um outro mundo possível.
    Ilma

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