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Pesquisa revela que publicações humorísticas ajudaram a naturalizar o racismo no Brasil

Por Wilson Nogueira

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Quaquaraquaquá quem riu? Os negros que não foram… A representação humorística sobre os negros e a questão do branqueamento da belle époque aos anos de 1920 no Rio de Janeiro.

Esse é o título da tese de doutoramento em História Social, pela Universidade de São Paulo (USP), da professora e pesquisadora Maria Margarete dos Santos Benedicto, defendida em 2018.

A obra tem sido fonte recorrente de debates sobre a questão racial no Brasil, principalmente porque aborda um viés singular: o humor como fonte disseminadora do preconceito racial, do racismo e da ideologia de branqueamento da nova sociedade republicana.

Maria Margarete pesquisou impressos que circulavam no Rio de Janeiro – e nos quais estão as pegadas do humor que colaborou com  formação do imaginário depreciador de negros e minorias étnicas do País.

Nesta entrevista, ela destaca tópicos da sua tese e os contextualiza no rol de acontecimentos das lutas dos negros por igualdade e justiça ainda hoje. Confira:

Maria Margarete dos Santos Benedicto, pesquisadora da USP:

O que lhe motivou estudar o humor no contexto do racismo e do preconceito?

Sempre considerei importante para compreender as questões do racismo brasileiro a política de branqueamento da nação. O primeiro livro que me dispersou para este tema e que considero precursor no Brasil é Preto no Branco: raça e nacionalidade no pensamento brasileiro do professor Thomas E. Skidmore.

Também há trabalhos de historiadores brasileiros reconhecidos internacionalmente, que tive a honra de ser aluna, como os dos professores Nicolau Sevcenko e Lilia Moritz Schwarcz, ou de assistir palestras e participar, ainda como pesquisadora de Iniciação Científica, de uma mesa coordenada pelo professor Sidney Chalhoub. (E aqui já antecipo desculpas a tantos outros pesquisadores brasileiros admiráveis sobre a temática que não mencionei).

Mesmo esses historiadores já terem trabalhado eu também queria pesquisar a temática. A minha participação no Grupo de Pesquisa As narrativas históricas e a polifonia da linguagem humorística brasileira (1930-2001), coordenado pelo professor Elias Thomé Saliba foi decisiva para esta pesquisa. Pois foi de uma discussão do grupo que comecei a me questionar…

Apesar de o humor ter como uma de suas funções a crítica da sociedade vigente, também produz piadas, sátiras, charges e caricaturas racistas.

E dessa forma aprofundei meus estudos questionando: o humor pode contribuir para a manutenção do racismo na sociedade? Devemos rir de tudo, inclusive de piadas racistas? Dada a atualidade deste debate e devido à minha formação de historiadora, resolvi revisitar a formação da República brasileira – marcada pela política de branqueamento da nação – pelo viés dos humoristas a fim de investigar essas questões.

O humor faz parte da estrutura das relações sociais que sustenta o racismo?

No meu trabalho procurei mostrar como a ideologia do branqueamento influenciou de modo decisivo as representações dos negros e de seus descendentes em textos e poesias satíricas, nas ilustrações impressas nas páginas das revistas humorísticas do período da belle époque aos anos 1920 no Rio de Janeiro.

Neste contexto a elite política e a intelligentsia brasileira, se debruçavam sobre a questão do “problema negro”, pois a “nova sociedade” republicana que surgia necessitava ser reconhecida como branca e fugir da cor preta – branqueamento.

Dividiam-se entre os que viam a mestiçagem como a degeneração do povo brasileiro e os que entendiam que a mestiçagem seria a possibilidade da “diluição” da cor preta.

A análise dessa sociedade, pelo riso, nos proporcionou uma leitura mais elucidativa, visto que esse possui um compromisso com o “não normativo”, “não sério”, o “indizível”.

Através da análise do humor busquei historicizar as representações dos conflitos políticos, econômicos, culturais e sociais motivados pelo contexto da belle époque carioca e as transformações por ela originadas, como as questões ligadas à nação, à identidade nacional e à política de branqueamento.

A partir da investigação dos trabalhos de Antônio Torres, Emílio de Menezes e da revista humorística D. Quixote, de propriedade e direção de Manoel Bastos Tigre, foi possível apontar como os preconceitos – sociais, culturais e raciais, não raro, entrelaçados – inspiraram a produção desses humoristas.

De certa forma, esses trabalhos não somente propagaram, mas também perpetuaram os preconceitos no imaginário da sociedade brasileira.

Afinal, quem ri é o racista consciente da sua manifestação ou pode ser apenas mais uma peça no jogo dessa estrutura racista.

Não, necessariamente, quem ri de uma piada racista seja um racista consciente. Utilizo para essa resposta a análise do historiador Peter Gay, em sua obra Lendo Freud: Uma piada a respeito de um ditador ou de profissões bem estabelecidas, como a advocacia ou a medicina, é uma coisa, porém, uma piada à custa de um grupo social relativamente impotente – seja ele representado pelos negros, pelos ciganos ou pelos judeus – é outra, pois a piada poderá banalizar as ofensas bastante graves.

É nesse fato que consiste às análises das fontes do meu trabalho. O riso ocasiona o enfraquecimento de uma possível indignação justificável e abranda a energia necessária para remediar a injustiça.

Dessa forma, o riso ou gargalhada podem tomar lugar da ação. Posso dizer que, quando o chiste praticado tiver como alvo um grupo étnico, quem o pratica escolhe grupos não semelhantes ao seu como alvo, destacando as diferenças e fortalecendo as divisões estabelecidas entre os dois grupos.

Aliás, fale-nos um pouco sobre racismo estrutural.

Para responder essa pergunta, primeiro preciso explicar como compreendo o racismo, e vou utilizar a obra Racismo & Sociedade: novas bases epistemológicas para entender o racismo, do antropólogo cubano Carlos Moore.

A origem do racismo e dos modelos tipológicos das sociedades racializadas realizadas pelo Racismo como um fenômeno eminentemente histórico ligado a conflitos reais ocorridos na história dos povos.

Ou seja, o racismo não se estrutura a partir do conceito biológico de raça, mas é uma construção histórica que tem como dado básico fundamental o fenótipo.

Assim, o desejo da brancura se origina nestas sociedades porque a camada dominante não é “branca pura”.

Como aspiram a este ideal, criam a ilusão de que a mestiçagem produzirá um novo tipo de branco que tomará o seu lugar no concerto da civilização ocidental. O racismo estrutural tem como base as políticas de branqueamento.

No Brasil, a questão da miscigenação começou a ser pensada pela elite nacional a partir do movimento de Independência, período em que a Colônia Portuguesa na América agenciou uma gradual autonomia em relação à Coroa, compelindo essa elite a produzir suas próprias ideologias para legitimar as suas especificidades internas.

Em 1821, um ano antes da Independência, o médico e filósofo português Francisco Soares Franco, em seu Ensaio sobre os melhoramentos de Portugal e do Brazil, nos apresenta o que, para ele, seria um lento processo de emancipação:

Os mestiços conservarão só metade, ou menos, do cunho Africano; sua cor é menos preta, os cabelos menos crespos e lanudos, os beiços e nariz menos grossos e chatos etc. Se eles se unem depois à casta branca, os segundos mestiços têm já menos da cor baça etc. Se inda a terceira geração se faz com branca, o cunho Africano perde-se totalmente, e a cor é a mesma que a dos brancos; às vezes mais clara; só nos cabelos é que se divisa uma leve disposição para se encresparem.

Apesar da distância temporal dos estudos de Franco, uma parcela da elite política e intelectual republicana – talvez mesmo sem se apropriar dos seus estudos – estava de acordo com os princípios do médico e filósofo, pois o que o intelectual português pregava era o branqueamento da colônia estimulado por leis.

O desconforto dessa elite política e intelectual republicana com o “problema negro” pode ser exemplificado tanto no contexto de reformulação dos símbolos nacionais, quanto em Decretos Federais.

O “problema negro” era uma realidade, visto que a República legitimava a discriminação racial. Exemplifico com dois decretos: nº 528, de 28 de junho de 1890, sujeitava a entrada de indígenas da Ásia e África à autorização especial do Congresso Nacional; nº 6.455, promulgado em 19 de abril de 1907 que elucida os procedimentos de incentivo à imigração e colonização agrícola que tacitamente quer dizer imigração europeia e branca.

A política de branqueamento prescreveu um remédio anódino para solucionar o “problema negro”.

Porém, apesar de o remédio ser anódino, a sua profilaxia teve eficácia, pois a política de incentivo à imigração europeia teve como corolário a não integração dos negros às novas sociedades urbanas que surgiam.

E que se propaga nos dias atuais através dos subempregos; diferença salarial entre brancos e negros; o não acesso à educação; “a bala perdida” que sempre encontra uma carne preta; a população carcerária, em sua maioria, preta; a precariedade das moradias em que se concentram a população preta; os mortos por Covid-19, em sua maioria, pretos; a violência policial, entre tantos outros exemplos que poderia ficar aqui listando.

Dá para perceber algum avanço na redução do preconceito aos/as negros/as e suas culturas? Quais?

Como disse na resposta anterior, há racismo estrutural no Brasil. Penso que é preciso distinguir preconceito de discriminação racial.

Suscintamente, preconceitos são ideias preconcebidas que uma pessoa ou sociedade pode possuir.

Já o preconceito racial são ideias preconcebidas que um grupo racial tem em relação ao outro.

Já a discriminação racial consiste em atitudes discriminatórias baseadas nos preconceitos raciais que são ensinados por essa sociedade racista.

No contexto atual, ocorrem vários exemplos em que o racismo estrutural é manifestado em ações discriminatórias: uma senhora branca na cidade de Belo Horizonte cospe em taxista preto e diz “que não anda com negro”; outro caso recente (08/06/2020) ocorreu na cidade de São Paulo quando um policial militar branco aborda um policial militar preto na frente da delegacia em que este trabalha no Centro da cidade: “vai, negão, deita no chão”, “que policia que nada seu filho da p…” essas foram as ordens que o policial preto recebeu do policial branco.

Este racismo também se apresenta na forma da violência através das mortes de jovens e crianças pretas: João Pedro (14 anos) tiro nas costas; Miguel Otávio Santana da Silva Pereira (5 anos) morreu ao cair do 9º andar, mas chegou até lá pelo elevador de serviço (simbólico); Agatha Félix  (8 anos) baleada nas costas; Ana Carolina de Souza Neves (8 anos) morta por uma bala na cabeça; Kauê dos Santos (12 anos) baleado na cabeça; Pedro Gonzaga (19 anos) asfixiado até a morte em supermercado; o mais recente, Guilherme Silva Guedes (15 anos) tiros na cabeça.

Já com relação as culturas, se não há respeito a vida pretas quanto mais as suas culturas, há várias reportagens que abordam a intolerância com religiões de matrizes africanas.

Em que medidas os meios de comunicação – e agora também as redes sociais digitais – contribuem com o racismo?

Estamos inseridos em uma sociedade estruturada pelo racismo, portanto, as instituições dessa sociedade recriam e reforçam os estereótipos sobre o negro.

Nesse sentido, os meios de comunicação certamente contribuem para a manutenção do racismo. Um bom exemplo ocorreu recentemente com a emissora de notícias GloboNews que ao discutir o assassinato do afro-estadunidense George Floyd realizado por policiais brancos e os atos antirracistas que ocorreram devido a sua morte só havia jornalistas brancos.

Via redes sociais o canal ficou exposto ao seu racismo estrutural, pois recebeu críticas a sua postura de colocar somente comentaristas brancos para discutir sobre o racismo.

No dia seguinte teve um programa especial somente com os jornalistas e apresentador negros da casa, onde a emissora assumiu digamos o seu “equívoco”.

Por outro lado, as redes sociais como são mais democráticas, possibilitam uma disseminação de conteúdos que certamente contribuem para discussão do racismo, como por exemplo seu próprio site.

Mas também o “pseudo anonimato” que as redes possuem proporcionam agressões mais virulentas aos afro-brasileiros.

Ontem essa contribuição já foi maior, considerando-se os programas populares de TV e rádio?

O racismo já foi mais explícito em alguns programas de TV e rádio. Na TV que é um meio de comunicação bastante utilizado pelos brasileiros há personagens históricos do humorismo que não somente reforçavam o estereótipo dos pretos como também o racismo.

Por exemplo, Mussum: “bêbado”, “favelado”, “malandro”; Vera Verão: “bicha preta”, “efeminada” e “pobre”; Tião Macalé: “pobre”, “desdentado” e “feio”.

Nestes personagens são os estereótipos que seriam os motivadores do cômico.

Assim como novelas onde personagens pretos, em sua maioria, são escravos, domésticos, não possuem família ou são famílias desestruturadas, ou ainda, crianças que não apresentam nenhum vínculo familiar, abandonadas a própria sorte como o “Pirulito” da novela Eta Mundo Bom.

Há risco de as políticas de mobilidade socioeconômica dos negros no Brasil recuarem?

Sim, há esse risco. O atual governo não acha que este tipo de política seja necessária. Um bom exemplo é o que ocorre na Fundação Palmares ou o último ato do Ministro da Educação antes de sua exoneração em 19/06/2020, o qual anulou uma portaria que recomendava  a indução de ações afirmativas em cursos de pós-graduação – acesso de negros, indígenas e pessoas com deficiência.

Como o presidente foi eleito defendendo essas pautas, isso significa que estas ações têm apoio de uma parcela da sociedade brasileira.

Na questão racial, a impressão que se tem é que ainda não há uma articulação interétnica ampliada das minorias, negros, índios, caboclos, ciganos etc. É isso ou trata-se apenas de impressão mesmo?

Acredito que há um processo social de invisibilização dessas lutas. Por exemplo, há um documento lançado pela Coalizão Negra por Direitos assinado por um conjunto de lideranças apresentando propostas para o enfrentamento dos problemas raciais brasileiros. Esses atores afirmam que enquanto houver racismo não haverá democracia. E óbvio, é necessário que esses atores sejam ouvidos e suas propostas sejam debatidas com a seriedade.

 Há um recrudescimento do movimento de rua negro nos Estados Unidos, que começou porque um policial branco matou um negro. A polícia mata muitos negros no Brasil, mas as reações são tímidas, por quê?

Essa pergunta exige uma análise da sociedade americana e brasileira para uma resposta satisfatória que não terei condições de elaborar neste espaço.

Posso dizer, entretanto, que não podemos ignorar que a história americana está intrinsicamente ligada ao racismo em um período até mesmo por leis.

Mortes de afro-estadunidenses e violências policiais contra estes também ocorrem um em longo período dessa história e, nem sempre ocorreram manifestações como a causada pelo assassinato de Georg Floyd.

Com isso quero dizer que movimentos de massa surgem em circunstâncias históricas bem especificas.

Quanto ao Brasil de fato há menos movimentos massivos de reação as violências policiais.

No entanto, essas reações existem, mas não possuem a devida visibilização e cobertura dos meios de comunicações.

Uma sociedade organizada pelo racismo estrutural naturaliza que o lugar do preto é na favela, é na marginalidade e, consequentemente, está sujeito a toda sorte de violência e abusos, inclusive, ser assassinado pelo o Estado através de sua polícia sem causar indignação.


Resumo da Tese pela autora

Esta tese tem como objetivo contribuir para um melhor entendimento das relações entre humor e racismo no período que abrange da belle époque aos anos 1920 na cidade do Rio de Janeiro.

Para tanto, mostramos que a ideologia do branqueamento influenciou de modo decisivo as representações dos negros e de seus descendentes nos textos, poesias satíricas e nas ilustrações impressas nas páginas das revistas humorísticas do período.

A elite política e a intelligentsia brasileira, se debruçavam sobre a questão do problema negro, pois a nova sociedade republicana que surgia necessitava ser reconhecida como branca e fugir da cor preta branqueamento.

Versavam entre os que viam a mestiçagem como a degeneração do povo brasileiro e os que entendiam que a mestiçagem seria a possibilidade de diluição da cor preta.

A análise dessa sociedade, pelo riso, nos proporcionará uma leitura mais elucidativa, visto que esse possui um compromisso com o não normativo, não sério, o indizível.

O humor buscou historicizar as representações dos conflitos políticos, econômicos, culturais e sociais motivados pelo contexto da belle époque carioca e as transformações por ela originadas, como as questões ligadas à nação, à identidade nacional e à política de branqueamento.

A partir da investigação dos trabalhos de Antônio Torres, Emílio de Menezes e da revista humorística D. Quixote, de propriedade e direção de Manoel Bastos Tigre, foi possível apontar como os preconceitos sociais, culturais e raciais, não raro, entrelaçados inspiram a produção desses humoristas.

De certa forma, esses trabalhos não somente propagaram, mas também perpetuaram os preconceitos no imaginário da sociedade brasileira.

Nesse sentido, podemos dizer que o humor é, simultaneamente, parte e uma reflexão sobre a estrutura social que habita.

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