Cinco razões para o declínio das culturas de juta e malva na Amazônia
Por Aldenor Ferreira* e Alfredo Homma**
Tratar do declínio do sistema juta/malva na Amazônia implica necessariamente reconhecer que não se trata de algo isolado, mediado por um único fator, mas, sim, pela soma de vários agentes que se ligam a determinadas conjunturas políticas e econômicas pelas quais a Amazônia passou no transcorrer do século 20.
Especificamente no estado do Amazonas, a produção de fibras, primeiramente de juta e posteriormente de malva, foi, por um longo período, a atividade responsável por expressivo percentual na formação da renda do estado, pois o valor de sua cultura representava 20% da receita do setor primário, empregando 51% da população amazonense desse setor (IFIBRAM, 1976; NODA, 1985).
Outro ponto relevante diz respeito ao setor industrial de aniagem brasileiro, que teve, no período de 1978-1980, 25% de sua capacidade instalada no estado do Amazonas, empregando, segundo a Comissão Estadual de Planejamento Agrícola (CEPA-PA, 1978), mais de três mil pessoas entre operários, técnicos administrativos e diretores(NODA, 1985).
Ademais, processava cerca de 30 mil toneladas/ano à plena carga. De acordo com Pinto (1966), havia, no ano de 1962, cerca de 48.688 ha plantados de juta nos estados do Amazonas e Pará (média de 1 ha por pessoa) e, levando-se em conta a média de cinco pessoas por família, o autor afirma que havia cerca de 203.440 trabalhadores que dependiam da juticultura nesses estados.
Nesses termos, pode-se afirmar categoricamente que nunca houve no estado do Amazonas agroindústria mais forte como a da juta/malva. Com efeito, o que teria causado tão vertiginoso declínio? Quais fatores contribuíram para a ruína desse empreendimento? Responder a essas questões constitui o objetivo geral deste texto.
*Aldenor da Silva Ferreira.
Bacharel e Licenciado em Ciências Sociais pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM) (2005).
Mestre em Sociedade e Cultura na Amazônia pela UFAM (2009)
Doutor pelo Programa de Pós-graduação em Ciências Sociais da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) em 2016.
Atualmente é Professor Adjunto I da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS), campus de Naviraí.
**Alfredo Homma: Graduação em Agronomia (1970); Mestrado (1976) e Doutorado em Economia Rural(1988), todas pela Universidade Federal de Viçosa.
Primeira razão
Durante os 21 anos de Ditadura Militar, a Amazônia continuou sua trajetória histórica de inserção no contexto da exploração capitalista, verticalizado ainda mais com o Plano de Integração Nacional (PIN) – instituído pelo Decreto-Lei nº 1.106 de, 16 de junho de 1970 –, o Plano Nacional de Desenvolvimento I (PDN), no período de 1972 a 1974, e o Plano Nacional de Desenvolvimento II, no período de 1975 a 1979.
Com o lema “integrar para não entregar”, os militares produziram um discurso retórico acerca dos perigos de uma possível invasão da Amazônia pelas potências ocidentais. Para que isso fosse evitado, era preciso povoar a região, desenvolvê-la, inseri-la de forma definitiva à sociedade nacional.
Com base nesse lema, o governo procurou dotar a região não só de infraestrutura rodoviária, cuja característica principal era o gigantismo das obras, mas também procurou desenvolver uma política de incentivos fiscais para atrair grandes empresas com o intuito de explorar os abundantes recursos naturais, objetivando, com isso, garantir o desenvolvimento econômico da região.
O Quadro 1 traz uma lista dos principais projetos desenvolvidos na região no período de Ditadura Militar.
Quadro 1: Os grandes projetos e intervenções na Amazônia (1960-1980).
Ano | Programa/Projetos |
1962 a 1972 | Projeto Trombetas (mineração de bauxita). |
1966 | Substituição da SPVEA pela SUDAM. |
1967 | Zona Franca de Manaus, criada pelo Decreto Lei n. 288, de 28/02/1967; Criação da Superintendência da Borracha (Sudhevea), pelo Decreto Lei n. 5.227, de 18/01/1967. Ligada ao Ministério de Indústria e Comércio, foi regulamentada pelo Decreto n. 77.386 de 05/04/1976. |
1967 | Projeto Jari. |
1970 | Projeto Radam, para proceder ao mapeamento aerofotográfico e inventários dos recursos naturais e minerais da região complementados pela nova tecnologia do sensoriamento remoto proporcionado pelo satélite LANDSAT (BENCHIMOL, 1992 p. 97). |
1971 | Lançamento do Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do Norte e do Nordeste (PROTERRA) pelo Decreto-Lei n. 1.178/1971. |
1972 | Inauguração da Rodovia Transamazônica. |
1972 a 1984 | Desenvolvimento do Programa de Incentivo à Produção de Borracha Natural (PROBOR I, II e III). |
1973 | Inauguração da Rodovia Manaus-Porto Velho, BR 319. |
1974 | Programa de Polos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia POLAMAZÔNIA. |
1976 | Inauguração da Rodovia Cuiabá-Santarém. |
1980 | Programa Grande Carajás (PGC), instituído pelo Decreto-Lei n. 1.813, de 24/111980. Incluía: a) Carajás Ferro; b) Albrás-Alunorte, exploração de alumínio; c) Hidrelétrica de Tucuruí; d) Ferrovia Carajás-São Luiz; e) Porto de Vila do Conde. |
1981 | Programa de Desenvolvimento do Centro-Oeste POLONOROESTE. |
1982 | A Mineração Taboca inicia implantação e lavra na mina a 300 km de Manaus (AM). Em Pitinga, é feita a lavra e o beneficiamento dos minérios de cassiterita e columbita; Início do Projeto de Desenvolvimento Rural Integrado do Amazonas (PDRI Amazonas). |
1984 | Inaugurada a Hidrelétrica de Tucuruí. |
1985 | Inauguração da Ferrovia Carajás-Itaqui. |
1988 | Inauguração da Hidrelétrica de Balbina, no Amazonas. |
1988 | Inauguração da Hidrelétrica de Samuel, em Rondônia. |
Fonte: Tabela confeccionada a partir de informações de Costa; Magalhães (1987).
Esses projetos, ou, como sugere Magalhães (1987, p. 32), essas “grandes intervenções, compreendendo programas, projetos e mesmo atividades de grande vulto”, promoveram enormes impactos ambientais e o deslocamento, de maneira desordenada, do eixo, até então fluvial, para o eixo rodoviário. A abertura de grandes eixos rodoviários criou possibilidades de expansão da fronteira agrícola e, consequentemente, a drenagem de trabalhadores das áreas de várzea em direção às áreas de terra firme.
Esse deslocamento “da beira do rio para a beira da estrada”, ou como definiu Homma (1998, p. 47), “a troca de uma civilização de várzea por uma civilização de terra firme”, trouxe consequências diretas para a produção de fibras de juta e malva, no sentido de diminuição da mão de obra disponível nas áreas de várzea.
Segunda razão
Com a consolidação Zona Franca de Manaus (ZFM), fundamentalmente no período de 1964 a 1966, o Amazonas começou a experimentar alterações significativas na sua economia. Todavia, essa nova fase da economia industrial amazonense teve um preço alto para o setor primário e para os trabalhadores que atuavam nesse setor – fundamentalmente os agricultores e extrativistas que, em termos de Amazonas e Pará, eram e ainda são, na sua maioria, pequenos produtores.
De acordo com o estudo de Amparo e Porto (1987), o primeiro impacto do funcionamento da ZFM incidiu no desenvolvimento do setor terciário da economia, particularmente em relação ao comércio, com o crescimento do setor da Construção Civil atingindo o patamar de 710% entre os anos de 1967 a 1970.
Ferreira (1994) afirma que o funcionamento da ZFM estimulou, já em 1967, a abertura de 898 firmas comerciais e industriais na cidade de Manaus, 116 de grande porte e 782 de pequeno porte, o que resultou em considerável incremento na oferta de emprego.
Com efeito, se o setor terciário se agigantou com a consolidação da ZFM, o setor secundário desenvolveu-se timidamente nos primeiros anos.
O PIB de 1970 ainda apresentava o setor terciário como o mais importante, sendo o comércio seu principal âmbito.
Em seguida, a agropecuária aparecia como o segundo setor de maior participação. O setor secundário era, portanto, o terceiro em participação na formação da renda do estado. Com a estruturação do Distrito Industrial, cujo lançamento da pedra fundamental ocorreu em 30 de setembro de 1968, o setor secundário despontou em pouco tempo, ultrapassando o setor primário e, mais tarde, o setor terciário. Ainda de acordo com os estudos de Ferreira (1994), no ano de 1975, os projetos industriais que foram aprovados e se instalaram no Distrito Industrial alteraram a estrutura da atividade industrial em Manaus.
De acordo com os dados levantados por esse autor, a partir do Censo Industrial de 1980, o incremento do setor industrial com a consolidação dos setores de bens de capital e de bens de consumo duráveis na ZFM, alterou a participação dos setores no PIB Amazonense, onde o setor secundário passou a liderar, seguido dos setores terciário e primário. Sobre isso, ele afirma que
[o] setor primário que, em 1972, participava com 17,78% do ICMS arrecadado, em 1980 decresce 10 pontos percentuais, participando com 7,2%, demonstrando a concentração de atividades em torno da ZFM, predominantemente nos setores secundário e terciário, assim como o esvaziamento das atividades ligadas ao setor primário, com reflexos nas migrações populacionais no estado, pois em 1970, 32% da população residiam na capital e, em 1980, esse número chega a 43%, com tendência a se ampliar. as atividades da ZFM expandiram a demanda por mão de obra, estimulando a migração do interior amazonense e de estados vizinhos, tendo como resultado a reinserção parcial da mão de obra ociosa do setor agrícola com reflexos produtivos na renda interna do estado. Esse movimento de atração provocado pela ZFM teve enormes reflexos na participação do Interior no ICMS, que começa a cair acentuadamente. Em 1972, o Interior participa com 10,45% do total arrecadado e, em 1990, com apenas 1,43%, o que demonstra o esvaziamento econômico do interior. Em 1985, a composição delineada em 1980 é mantida, com a consolidação da ZFM demonstrada em termos do PIB a custo de fatores, pois aglutinou atividades dos setores secundário e terciário, notadamente na cidade de Manaus, com um decréscimo relativo do setor primário (FERREIRA, 1994, p. 122).
O texto de Ferreira (1994) indica claramente que o principal suprimento de mão de obra para o setor secundário, leia-se as fábricas de Manaus, veio do setor primário, no caso do Amazonas, mão de obra predominantemente oriunda da agricultura e do extrativismo. Depois da consolidação da ZFM, a partir da década de 1970, o setor primário reduziu sua participação no PIB do Amazonas e também nunca mais ultrapassou a casa dos 10% de participação. Apesar de considerável melhora no ano de 2012, a média de participação ficou na casa dos 6,33%.
A participação do interior na formação da renda do estado também diminuiu a partir da década de 1970. De acordo com dados da SUFRAMA, da SEFAZ e da SEAD (2002), citados por Maciel, Machado e Rivas (2003), a partir da década de 1970, o interior teve a sua participação reduzida no total do PIB estadual, saindo de 35,72% para 17,39%.
De 1972 para 1980 a participação do setor primário na formação do PIB amazonense caiu de 17,78% para 7,20%, representando uma queda considerável. Esse percentual de 35,72 % de participação do interior na formação da renda do estado do Amazonas no ano de 1970 é relevante, pois acompanha e coincide com o período de intensa produção de juta e malva que havia nos municípios amazonenses nessa década. De 1970 a 1979, o interior do Amazonas produziu 247.022 toneladas de juta e 120.171 toneladas de fibras de malva (HOMMA, 1998).
Na década de 1970, 31 municípios do Amazonas produziam juta e malva, ou seja, metade do estado, fato que contrasta com os 12 municípios que têm envolvimento nessa atividade atualmente. Coincidência ou não, foi justamente na passagem da década de 1970 para a de 1980 que a população de Manaus dobrou. Saiu de 314.197 habitantes para 642.492, um acréscimo, portanto, de 328.295 habitantes ou de 104,49%.
De todas as atividades agrícolas realizadas no interior do estado, a produção de fibras era, sem dúvida, a atividade que mais contribuía para a formação do PIB dos municípios e, consequentemente, do PIB estadual, e era a responsável direta pela fixação da população na zona rural e nas cidades do interior.
Terceira razão
O conjunto das atividades ligadas ao setor produtivo da juta e da malva ficou de fora do novo padrão agrícola brasileiro, iniciado a partir das décadas de 1960/70. Não ocorreu a modernização da agricultura, a industrialização da agricultura, nem tampouco a formação dos Complexos Agroindustriais (CAIS) conforme a conceituação e a distinção feita por Kageyama et al. (1990).
Diferentemente do que ocorreu com outras culturas que tiveram todo o seu processo produtivo mecanizado, desde o plantio até a colheita, a cultura de juta e de malva permaneceu sem mecanização em todas as etapas. Em síntese, quando se analisa todo o processo de trabalho na lavoura da juta/malva, percebe-se que ele não recebeu nenhum tipo de incremento tecnológico.
A não incorporação do novo padrão agrícola brasileiro não ocorreu sem ter tido várias tentativas de se construir máquinas descorticadoras.
O IFIBRAM, criado em 1974 e mantido pelas 27 indústrias que atuavam no ramo de aniagem no país, atuou bastante na tentativa de mecanização da lavoura da juta/malva.
O Instituto estabeleceu vários convênios com órgãos como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), Centro de Pesquisas Agropecuária do Trópico Úmido (CPATU), Universidade de Taubaté e outras empresas particulares de Desenvolvimento de Tecnologias, mas apesar do êxito de alguns protótipos, não houve continuidades dos trabalhos por falta de recursos. Nas décadas de 1960/70 surgiram alguns modelos como: a Baproma, tipo 6002, a Seiga, a Plantec e a Iseki Mitsui.
O problema, já naquela oportunidade, girava em torno de duas questões: os custos e a operacionalidade das máquinas.
O protótipo que chegou a ser testado no campo foi a Iseki Mitsui, máquina projetada no Amazonas pelos Agrônomos Tsuneo Kohashi, da Companhia Agrícola e Industrial do Amazonas e Vinícius Dias da Rocha, da Delegacia Estadual do Ministério da Agricultura no Amazonas, fabricada pela empresa Iseki Mitsui Máquinas Agrícolas S.A. de São Paulo.
Quando se analisa o processo de descorticação mecânica da juta e da malva, tendo como referência a máquina descorticadora Iseki Mitsui, percebe-se que, de fato, a utilização dessa máquina alteraria consideravelmente a relação homem/dia/hectare, apesar da celeridade no processo de trabalho se dar apenas na etapa da descorticação, conforme os dados das Tabelas 1 e 2 demonstram.
Tabela 1: Emprego da mão de obra na cultura da juta, pelo processo manual em várzea de mata virgem, no estado do Amazonas (1971).
Operações | Homem/dia/ha | % | ||
Broca | 12,5 | 7,59 | ||
Derrubada da mata | 26,0 | 15,80 | ||
Queima | 0,5 | 0,30 | ||
Encoivaramento | 14,5 | 8,81 | ||
Plantio | 5,0 | 3,03 | ||
Capina | 12,5 | 7,59 | ||
Colheita | 23,5 | 14,28 | ||
Transporte para afogamento | 13,5 | 8,20 | ||
Afogamento | 8,0 | 4,86 | ||
Descorticagem e lavagem | 30,5 | 18,54 | ||
Construção do varal | 3,5 | 2,12 | ||
Transporte para o varal | 5,0 | 3,03 | ||
Secagem | 4,5 | 2,73 | ||
Transporte para o enfardamento | 2,0 | 1,21 | ||
Enfardamento | 3,0 | 1,82 | ||
Total | 164,5 | 100 |
Fonte: Relatório da Comissão Técnica de Plantas Industriais do IPEAAOC; Ribeiro (1970); Homma (1972).
Tabela 2: Emprego da mão de obra na cultura da juta, utilizando a descorticadora Iseki Mitsui em várzea de mata virgem, no estado do Amazonas (1971).
Operações | Homem/dia/ha | % | ||
Broca | 12,5 | 8,77 | ||
Derrubada da mata | 26,0 | 18,24 | ||
Queima | 0,5 | 0,35 | ||
Encoivaramento | 14,5 | 10,17 | ||
Plantio | 5,0 | 3,50 | ||
Capina | 12,5 | 8,77 | ||
Colheita | 23,5 | 16,49 | ||
Descorticagem | 9,0 | 6,31 | ||
Transporte para afogamento | 2,0 | 1,40 | ||
Afogamento | 8,0 | 5,61 | ||
Lavagem | 11,0 | 7,71 | ||
Construção do varal | 3,5 | 2,45 | ||
Transporte para o varal | 5,0 | 3,50 | ||
Secagem | 4,5 | 3,15 | ||
Transporte para o enfardamento | 2,0 | 1,40 | ||
Enfardamento | 3,0 | 2,10 | ||
Total | 142,5 | 100 |
Fonte: Relatório da Comissão Técnica de Plantas Industriais do IPEAAOC; Ribeiro (1970); Homma (1972).
A comparação feita por Valois e Homma (1972) revela que, nas etapas que envolviam o preparo do roçado, que vai da broca da mata até as capinas, a relação homem/dia/hectare era exatamente a mesma nos dois processos.
O processo de colheita, de igual forma, era semelhante. A diferença só se daria nas etapas que envolveriam o transporte para o afogamento, a descorticação e a lavagem.
No processo manual, o trabalhador tinha que carregar as hastes de juta inteiras para poder afogar no rio, esperar de 12 a 15 dias para que ocorresse a maceração biológica e, em seguida, começar a lavar, pois por esse processo, o transporte para o afogamento vem primeiro.
Pelo processo mecânico, esse transporte continuaria, contudo, a descorticação viria primeiro e o trabalhador levaria apenas as fitas (cascas) para serem afogadas, incomparavelmente mais leves, uma vez que o lenho seria retirado.
Nesse processo seriam necessários apenas dois homens, enquanto que, no processo manual, eram precisos 13,5 homens (Tabelas 1 e 2). Pelo processo manual, a etapa de descorticagem e lavagem necessitava de 30,5 homens; pelo processo mecanizado seriam necessários apenas nove homens na descorticagem e 11 homens na lavagem das fitas (Tabelas 1 e 2).
Os benefícios do processo de descorticação mecânica da juta/malva alterariam a relação trabalho/tempo, que está dividida em três fases: a fase I, que envolve a abertura do roçado e o preparo da terra e é composta por 5 etapas (broca da mata, derrubada, rebaixamento, queima da vegetação e encoivaramento); a fase II, que corresponde ao plantio e à capina; e, por fim, a fase III, que começa com o corte das plantas, o transporte para o afogamento, a maceração biológica, a lavagem/desfibramento, o transporte para o varal e o enfardamento.
Essa etapa é a que mais sobrecarregava e ainda sobrecarrega o trabalhador, logo, nessa fase, a relação trabalho/tempo se intensifica.
Pelo processo mecânico, haveria a diminuição da relação homens/dias/hectares, conforme as curvas assinaladas no Gráfico 3, ou seja, o produtor trabalharia menos na etapa de descorticação e lavagem da juta, com isso, ele reduziria os custos com mão de obra e ganharia mais tempo livre.
Assim, a curva de intensidade de trabalho/tempo permanece idêntica ao processo manual de produção da juta/malva até a fase da colheita, decrescendo, a partir daí, em decorrência da diminuição da relação homens/dias/hectares em cerca de 13% e da relação intensidade de trabalho/tempo.
Com esse tempo disponível, o trabalhador poderia se dedicar a outras culturas, possibilitando, dessa forma, a diversificação de suas atividades produtivas e, consequentemente, aumento de sua renda.
Contudo, quando se analisa pelo ângulo dos custos de aquisição e manutenção do processo mecânico, é possível a compreensão do porquê de sua não efetivação.
De acordo com Valois e Homma (1972), os custos fixos para a cultura da juta em 1971 eram de Cr$ 188,00/ha. Desse total, 53,2% eram dados pelo fator terra.
A depreciação de instrumentos de trabalho (canoa, ferramentas e barracão) onerava a produção em 46,80% sobre o total. Os custos fixos, utilizando a descorticação mecânica naquele momento, foram estimados em Cr$ 1.048,00/ha. Deste total 9,55% eram atribuídos ao fator terra.
A depreciação (motor 5HP, máquinas descorticadora, canoa de seis metros, ferramentas, barracão) onerava demasiadamente o custo fixo total, algo em torno de 90,45%. Já a aquisição do conjunto que formava a máquina (motor + descorticadora) também seria problemática, uma vez que, para preços estimados do motor diesel 4-5HP em Cr$ 2.000,00 e da descorticadora em torno de Cr$ 2.000,00, considerando a vida útil de 5 anos, os custos totais de beneficiamento da cultura nos processos de cultivo de 1971, utilizando a descorticação mecânica, se igualariam quando a área plantada fosse de 6,50 hectares (VALOIS; HOMMA, 1972).
Os autores concluem afirmando que os custos fixos representavam cerca de 14,32% no processo manual e esses mesmos custos passariam para 51,36% dos custos totais, caso o trabalhador utilizasse a descorticação mecânica. Entre os custos fixos, a depreciação representaria cerca de 90,45% na descorticação mecânica e 46,80% no processo manual.
Quarta razão
O processo de trabalho para a extração das fibras de juta e de malva não sofreu nenhuma mudança em 80 anos. As imagens que ilustram esta seção são atuais e antigas e revelam que os processos são empíricos, exigindo, dessa forma, o uso intensivo de mão de obra, um recurso que, depois da implantação da ZFM, se tornou escasso na região e que, portanto, constituiu-se em um ponto de estrangulamento dessa atividade.

O processo de extração das fibras se inicia após 180 dias, em média, para a maturação da malva e 120 para a juta. Primeiro cortam-se as plantas e formam-se os feixes, após três dias expostos no roçado, para que as folhas sequem e haja perda de peso.
Então, eles são levados para a água onde ficam submersos por cerca de 8 a 10 dias, se a malva estiver madura, e cerca de 12 a 15 dias, se a juta estiver madura (Figura 2).
Passados os dias da maceração, eis que chega a hora do desfibramento (Figura 3). Essa etapa do processo produtivo é a mais difícil, pois os trabalhadores ficam com a água acima do joelho e, às vezes, na altura do ombro, cerca de 8 a 10 horas por dia, durante seis dias na semana. O desgaste físico é uma constante e as doenças muitas vezes aparecem.
Eles se queixam muito de gripe, reumatismo, problemas dermatológicos devido à insolação, fungos nas unhas dos pés e das mãos e problemas oftalmológicos. Nessa etapa, há também o risco iminente de acidentes com animais, tais como: cobras, poraquês, arraias, formigas e sanguessugas.
À medida que a colheita vai ocorrendo, a produção vai sendo vendida. Não há exatamente “um fim de safra” para a comercialização de toda a produção.
Os compradores são os agentes da comercialização, fundamentalmente, patrões e marreteiros, que sobem e descem os rios comprando as fibras diretamente nas unidades produtivas espalhadas pelos beiradões amazonenses e paraenses.
Esse processo também não sofreu nenhuma alteração. A cadeia produtiva permanece sendo dominada por um conjunto de intermediários que ditam os preços aos produtores.
Marreteiros e patrões foram e ainda são peças fundamentais na engrenagem da cadeia produtiva da juta e da malva, desde a distribuição das sementes até a compra do produto final e intermediação com as indústrias de aniagem do estado. Eles são os “bancos itinerantes”, cujo “gerente” se desloca de comunidade em comunidade para “fornecer crédito” aos trabalhadores.
A intermediação continua sendo a principal alavanca da produção de juta/malva, no sentido de financiamento informal. Os intermediários continuam sendo os “senhores dos rios”.
Quinta razão
O histórico da produção de sementes de juta e malva é marcado por idas e vindas. No início, a Associação Comercial do Amazonas (ACA) tomou para si a responsabilidade de promover o fornecimento e a distribuição de sementes aos juticultores em cooperação com a Companhia Industrial Amazonense (CIA) dos japoneses. Isso se estendeu até o ano de 1948, quando o Instituto Agronômico do Norte (IAN), mais tarde Instituto de Pesquisa e Experimentação Agropecuária do Norte (IPEAN), tomou para si a responsabilidade da produção de sementes de juta, a partir da constatação de que a Associação Comercial não poderia mais promover o fornecimento integral das sementes que, naquela oportunidade, eram fornecidas gratuitamente pela instituição.
A entrada do IAN no processo de produção foi decisiva para garantir o suprimento da oferta desse insumo aos juticultores, fato que contribuiu para a expansão da cultura por praticamente todo o Amazonas. Com a entrada desse órgão no setor de produção de sementes, em alguns anos, houve fartura na produção e, também, a organização do processo de distribuição desse insumo.
Mas, apesar de ter obtido êxito na produção de sementes, o IPEAN enfrentou muitas dificuldades e não só de caráter agronômico/climático, mas também de caráter político. Relatórios produzidos pelos pesquisadores do IPEAN, José Maria Pinheiro Condurú e Virgílio Ferreira Libonati, em 1965-66, revelam uma série de dificuldades enfrentadas por esse órgão. Condurú fala das dificuldades e das vitórias obtidas pelo instituto. Segundo ele,
[t]eve o IPEAN naquela ocasião de lutar contra governos porque não podia ser responsabilizado por uma estiagem que não encomendou. Em 1952, com esforços intensos, desviando-se de muito de suas finalidades e organizando uma produção através de cooperadores, produziu nosso Instituto perto de 200 toneladas de sementes, demasiadas para as necessidades, mas confortadora para quem havia sido atacado por incapacidade. Pela primeira vez houve fartura e pudemos contar com mais de 50 toneladas para estoque do ano seguinte. Com toda a enchente de 1953, uma das maiores da história do rio Amazonas, constituindo verdadeira calamidade pública destruindo as plantações de juta e rebanhos do Baixo Amazonas, ainda assim, passou o Brasil para a situação de autossuficiência em fibra para sacaria com 20.000 toneladas produzidas. Em 1954, a Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia (SPVEA) passou a ser o órgão financiador da produção de sementes de juta, o que até então era feito com recursos do próprio IPEAN, possibilitando então a intensificação dos trabalhos de pesquisa de nosso instituto (CONDURÚ, 1965, pp. 5-6).
O texto é claro, houve progressos, apesar das dificuldades. Contudo, um fator surgiu de maneira desfavorável ao Instituto em 1965. Ainda segundo o autor,
[o] IPEAN passou a produzir sementes com verbas da SPVEA, entregando-as aos governos dos estados e territórios, que se incumbiram da distribuição, que era feita gratuitamente, e que nos impediu, em decorrência desse fato, a atender aos pedidos de cotas de sementes feitos pelo Fomento Agrícola e Associações Rurais. A entrada do político no programa de produção-distribuição de sementes foi um fato desagradável da época e que os amazônidas bem lamentam. Em 1960, uma nova grande queda observou-se na produção de sementes, pois com o interesse aumentando pela cultura, graças ao aumento de preço da fibra, o especulador ressurgiu associado ao político, pois era ano de eleição, e o IAN ficou sem sementes, que passaram as mãos dos atravessadores, os quais não só as adquiriam para atender seus próprios plantios, mas também e, principalmente, para vendê-las com lucros extraordinários (CONDURÚ, 1965, p. 6, grifo nosso).
Obviamente, não foi a entrada da SPEVEA como financiadora do IPEAN o fator “desfavorável ao Instituto”, mas, sim, a ingerência política, a falta de planejamento governamental e a burocracia, que acabaram ajudando a criar um quadro desfavorável ao agricultor, mas favorável aos interesses políticos.
Em resumo, a responsabilidade de produzir e distribuir sementes de juta passou por diversas instituições, como a CIA, logo no começo.
Depois, a Associação Comercial do Amazonas (ACA), o IAN-IPEAN, a Delegacia Federal do Ministério da Agricultura no Estado do Pará, a Secretaria de Produção Rural, a Comissão de Financiamento da Produção (CFP), o IFIBRAM, a Embrapa e a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab).
Todas essas instituições atuaram de alguma forma no setor de sementes, sem, contudo, haver continuidade dos projetos. Isso causava instabilidade no setor, pois sempre havia incerteza quanto ao abastecimento de sementes para as safras futuras, o que ajudava a gerar descompassos e restrições.
Até a década de 1980, a Embrapa Amazônia Oriental era o órgão responsável pelo fornecimento das sementes básicas para que os agricultores fizessem os cultivos em consórcio com o milho em Alenquer e as sementes produzidas eram fiscalizadas e certificadas pelo Ministério da Agricultura.
Com a saída dessa instituição do processo de produção das sementes e com a dedicação do IFIBRAM apenas para a produção de sementes de malva, os agricultores passaram a produzir as sementes por conta própria, vendendo-as para os intermediários do estado do Amazonas, sem fiscalização por parte dos órgãos de governo.
Considerações finais
A agroindústria da juta e da malva foi uma das maiores e mais bem-sucedidas experiências agrícolas que a Amazônia vivenciou.
Com efeito, a não incorporação de novos métodos e técnicas de extração das fibras, bem como investimentos contínuos no aperfeiçoamento da cultura, na organização da comercialização, na diversificação dos produtos, na abertura de novos mercados, somado aos outros fatores aqui apresentados, fizeram com que esse setor fosse tragado pelas mudanças ocorridas na própria estrutura produtiva da agricultura brasileira das décadas de 1960/70, como o crescimento da estocagem de cereais em silos, o transporte a granel e a introdução de embalagens plásticas.
O objetivo de elencar e analisar algumas causas que consideramos como as principais do declínio das culturas de juta e malva na Amazônia, é promover o debate acerca do desafio de se reverter esse declínio e fazer essa atividade ser protagonista novamente.
As fibras de juta e de malva possuem grande versatilidade e inúmeras possibilidades. Diferentemente das fibras sintéticas derivadas do polímero extraído do petróleo – cujo processo de biodegradabilidade necessita de muitos anos para ser concluído, sendo, portanto, mais propensas a causar danos ambientais –, as fibras de juta e malva são a sua antítese. Além disso, essa é uma atividade já incorporada no saber-fazer do pequeno produtor das várzeas amazônicas, com mais de 15 mil famílias realizando seu cultivo apenas no estado do Amazonas.
Contudo, entendemos que uma possível revitalização do setor de aniagem no estado do Amazonas e do Pará só poderá ser possível se forem consideradas as experiências positivas e negativas do passado, estabelecendo um diálogo horizontal e vertical entre trabalhadores, empresários e governo, além de investimentos em tecnologias que eliminem ou reduzam ao máximo a parte insalubre do processo de trabalho feito dentro da água, que organize e diversifique a cadeia produtiva a partir, fundamentalmente, da abertura de novos mercados e do desenvolvimento de novos produtos.
Nesse processo, o Estado tem que ser o agente fomentador, como ocorre na Índia, onde o governo central exerce esse papel de maneira decisiva. É preciso proceder, também, à recuperação do material genético de juta que está caminhando para o desaparecimento entre os produtores de Alenquer (ou já desapareceu), pois não consta como ação prioritária nos bancos de germoplasma da Embrapa. Se esse material for perdido, a Índia dificilmente cederá novas partidas de sementes de juta, questão bastante complexa atualmente, no contexto de legislação acerca da biodiversidade brasileira e indiana.
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