Jousefe Oliveira, o poeta parintinense que tocou 8 milhões de corações com 9 versos
Por Wilson Nogueira
Leitor incondicional de Machado de Assis, Jousefe Davi Matos de Oliveira, 34 anos, é o criador da página Poesias para Capitu, hospedada no Instagram e no Facebook, hoje (06/07, às 10h19) com 82.137 seguidores.

Quando você começou postar suas poesias na internet?
As primeiras postagens foram feitas em meados de 2016, em minha rede social. Na época, eram escritos simples, despidos de qualquer pretensão de público e de me rotularem como poeta.
Lembro que, nesse ano, meu professor de faculdade havia me orientado a ler mais poesia e literatura, que ajudaria a aflorar a criatividade de meus trabalhos visuais.
Nesse mesmo ano, estava passando por uma época bem difícil de minha vida, e a escrita foi o meio de escape para as minhas erupções sentimentais reprimidas.
Eu tinha alguns cadernos que nunca usava, e umas cadernetas tão pequenas que carregava vez ou outra em meus bolsos. E sempre quando um escrito vinha em minha memória, como uma luz, escrevia nesses caderninhos, para que eu não esquecesse.
Foi quando resolvi compartilhar alguns desses escritos na minha rede social. Eram pequenos poemas, pequenos parágrafos, alguns delas eram somente uma frase.
Outros escritos mais íntimos os tenho guardados para o meu primeiro livro ainda em fase de escrita.
Em 2017, um amigo meu me questionou por que não fazia uma página para a publicação de meus poemas.
Hesitei um pouco com a ideia, não achava meus escritos tão interessantes para uma plataforma que alcançasse um público maior. Talvez porque me achasse ainda um escritor amador, um recém-chegado no mundo da literatura.
Mas incentivado pelo meu amigo, resolvi criar a página. O nome dela eu a batizei como Poesias para Capitu, em homenagem a personagem de Machado de Assis que marcou minha adolescência.
E a partir daí, para minha felicidade, a página foi adquirindo cada dia mais seguidores.
Quais os motivos que levaram os internautas a gostar das suas postagens?
É difícil explicar. Quer dizer, atualmente são mais de oitenta mil seguidores da página. Eu penso: “Nossa! São oitenta mil almas que por alguma razão leem os meus escritos e se identificam neles”.
Acredito que cada escrito, cada poema, é como uma roupa, em que para alguns ele cai perfeitamente, e para outros não. Isso depende do momento em que a pessoa se encontra. Um poema triste para um dia terrível, um poema alegre para um dia de vitória.
Uma vez ou outra alguém sempre me mandava uma mensagem pedindo um poema, dizendo “escreve um poema para mim” ou “me ajude, estou em desespero”. As pessoas pedem poema como se pedissem um abraço.
Compreendi que grande maioria das pessoas, assim como eu, como você, passam por situações tão difíceis, que precisam escutar ou ler algo que as salve de um dia ruim.
Talvez, por isso, as pessoas se identificam com o que escrevo, porque tudo que passei, alguma outra pessoa também está passando.
É como algumas das pessoas que seguem a página, sempre falam, “seus poemas me salvam”.
Como você escolhe seus temas?
Não tenho um sistema, uma ordem para os temas. Eles são tão aleatórios como aplicativos de música.
Mas, nos dias em que me sinto angustiado, pensativo, recorro sempre ao tema solidão.
Esse tema é muito forte para mim. Sempre me senti sozinho quando criança até a adolescência. Sempre fui tímido, calado. Tinha um jeito de ficar sempre muito quieto.
Escrever sobre a solidão é mergulhar no que é mais de intenso na alma de um homem. Lá que encontro palavras, versos, sentimentos dos mais devastadores e belos por assim dizer.
Outro tema que também gosto de escrever é sobre as mulheres. Temas como separações, traições, abusos. Minha mãe, minha irmã e tantas mulheres maravilhosas que conheço já sofreram nas mãos de homens ruins. Então, foi uma maneira de trazer por meio das palavras, um tipo de conforto, incentivo para que mulheres saiam de relacionamentos abusivos. Aliás, grande parte do público que me lê é de mulheres.
Quais os porquês dessa impressão manuscrita?
É uma questão de estilo. Tenho observado que as centenas de páginas de poesias que existem têm um tipo de design computacional, um padrão. Ora, acredito que nossa caligrafia diz muito sobre a gente, certo?
Quando se está com pressa, a caneta desliza de forma rápida, e as letras se embaralham como um rascunho indefinido.
Se escreves com calma, cada letra sinuosa se desenha no papel com uma delicadeza e leveza. Escrever sobre o papel revela nosso estado de espírito. Ela é uma extensão de nossas mãos. Ela é um pedaço de sua personalidade que cai e se fixa na superfície.
Quando alguém lê alguma coisa escrita à caneta, diz: “Essa caligrafia é do fulano, … essa caligrafia é do sicrano”, e por aí vai. É um ato de reconhecimento. Nem precisa postar uma fotografia tua, o que você escreve com sua caligrafia é seu rosto.
Vejo que você tem uma relação de angústia ou desespero com o domingo? Por quê?
Uma palavra define meus domingos: vazio. Um tipo de crise existencial, uma ausência, uma sensação de que sempre me falta algo. Neste intervalo, nesta falta, crescem em mim inúmeras angústias. Mas quase todos, penso eu, se sentem assim. Não é à toa que as postagens sobre os domingos são as mais compartilhadas.
Algumas pessoas dizem “odeio os domingos”, outras os amam. Eu, não amo nem odeio, apenas escrevo o que sinto. Todo domingo tem um potencial extraordinário de escrita. O domingo é aquele dia de pausa em meio à loucura da rotina. É quando todos se deitam em seus sofás, redes e camas, e neles surgem os mais variados sentimentos: tédio, saudades, tristezas…
Escrever sobre o domingo, em um dia de domingo é sempre algo pesado. É o peso de minha existência, como marido, como filho, como poeta, como ser humano. O domingo é o dia de encontro comigo mesmo.
Qual o grau de cumplicidade que você desenvolve com os seus leitores? Por ex.: você aceita sugestões deles?
As relações nas redes sociais têm sido bem positivas para mim. Eu sempre procuro responder cada comentário na página. Às vezes, algumas delas vêm no privado para desabafarem sobre algo de suas vidas.
Sempre perguntam se estou disposto a conversar, e é claro, sempre que posso procuro responder as mensagens.
Recentemente tenho recebido sugestões sobre temas novos para a página. Fico muito feliz em receber sugestões, críticas, principalmente quando peco na ortografia (risos). É uma cumplicidade de amizade, posso assim dizer, e muitas das pessoas que comentam e mandam mensagens com bastante frequência, criam comigo um tipo de intimidade e cumplicidade.
Você interage com os leitores? Como e com que frequência?
Eu estou sempre interagindo com os seguidores, agora por exemplo, enquanto respondo essas perguntas, faço pausas e também respondo um comentário de um seguidor. Acho importante essa interação. É empatia, dar um pouco de atenção para aqueles que tiraram um pouquinho de seu tempo para ler, comentar e compartilhar.
Pra você, a poesia também se revela na fotografia manipulada?
Essa pergunta me lembrar do meu trabalho final de curso de graduação, por meio do qual apresento fotografias manipuladas com pinturas canônicas abordando um tema bem delicado e presente na cidade de Parintins: o lixo.
É de uma beleza visual tamanha que, para mim, exala poesia. O feio se torna belo. Como diz o poeta Manoel de Barros, “o que é bom para o lixo é bom para a poesia”.
E digo, sim. É possível revelar a poesia por meio da fotografia. Nela não há limite para o poeta e o artista expressar sua visão de mundo. Há tantas coisas a serem refletida nessas duas linguagens. Penso que a fotografia e a poesia têm algo em comum de eterno.
Sempre que pego minha câmera e capturo o que quero, eternizo esse momento. Se exclamo de dor em minha alma e escrevo um poema, eternizo esse momento também. Há sempre uma cumplicidade entre as duas.
O tempo é o elemento-chave, na minha opinião, que dialoga com essas duas formas de artes.
Até nas minhas postagens a fotografia se torna presente. Quando escrevo e depois fotografo, compartilhando em seguida, estou, nesse sentido, fixando-a no meu tempo. Uma poesia fotografada que se desmaterializa em nuvens de redes digitais e pousam e são salvas em galerias de celulares de outras pessoas. Que maravilha não!
Aproveitando a oportunidade desta pergunta, gostaria de compartilhar um e-book [Luz e Poesia]recém- lançado, no qual tive a honra de organizar ao lado de minha esposa, jornalista formada, e de meu colega e amigo professor Carlos Monteiro. O livro é uma prova desse diálogo entre a poesia e fotografia.
Dá pra fazer poesia em tempo de pandemia?
Sim. E como é possível. Estou aproveitando esse período de pandemia para escrever dois livros. Um são de poemas sobre a minha cidade de Parintins, um outro tem mais caráter autobiográfico. Escrever é uma terapia. Escrever para não enlouquecer. Nesses períodos de ociosidade pura, de crises de ansiedade, insônia e medo, escrever é libertar-se de si mesmo, é cura.
Qual o lugar da poesia na sua vida?
Posso confirmar com toda certeza, que a poesia criou a minha identidade. Banhou-me de humanidade, me fez uma pessoa melhor.
Digo isso, com total orgulho, pois toda vez que alguém leu um escrito meu, e se emocionou, e de alguma maneira se sentiu confortado, para mim, é um recompensador.
Fico feliz em escrever poemas, não que isso seja grande coisa, aliás poesia é coisa pequena que se agiganta, e se a felicidade mora nas pequenas coisas, a minha mora num poema. E o mundo precisa de poesia. Eu escrevo e leio poesias todos os dias. É um hábito que tem me salvado. Tenho levado isso para minha vida, a poesia como meio de irrigar nossos corações, para que eles não se petrifiquem em meio à tanta coisa ruim que temos vivenciado neste mundo.

Como se sentiu quando uma de suas postagens alcançou oito milhões de visualizações.
Fiquei extasiado. Foi uma surpresa eu ver uma postagem minha ter sido bastante compartilhada e visualizada por milhões de pessoas. Fiquei pensando, como um pedaço de papel e umas palavras podem carregar em si tanto poder. Não subestime o poder das palavras, elas movem o mundo.
Defina Parintins poeticamente. [pode ser em versos]
Ah! Tenho muita coisa escrita para ela, mas eu deixo aqui nesta entrevista um poema que escrevi no concurso para homenageá-la, e que para minha felicidade ficou em primeiro lugar.
Lanço um poema
No coração dessa cidade
Como um bolo de aniversário
Cujos versos cabem em nossa boca
O gosto forte da saudade
A poesia percorre como o rio
Que devagar molha a esperança
E a ilha está crescida
Agitada e forte
Feito uma criança
No mercado, as camaroeiras
Jogam no alto
Os camarões cor de coragem
Que enchem nosso espírito
De um tom quente dignidade
Avistei no horizonte
Um cruzeiro, que se apequenou
Com a grandiosidade dessa ilha
Ela que lhe aguardava
Com suas vestes cor azul de um céu celeste
E tons de vermelho-festa
Atravessou na rua um curumim
Com um olhar quente feito sol
Carregando uma bolsa com flal
Com sabores de futuro
Açucarado de amanhã
Bem no centro
Há uma catedral majestosa
E lá do alto
Uma Santa caridosa nos olha
Avistei um tricicleiro
Deliciando a paz com farinha
E uma senhora com seu tacacá
Observava a lenta passagem da vida
Se seguires mais adiante
Há duas longas estradas
No final delas há o Canta Galo
Que em silêncio nos esperava
Dá para ver gente boa
Se banhando em um rio calmo
Molhavam primeiro os pés,
Depois os cabelos e por último o coração
Este, úmido
De tanta contemplação
E enquanto o sol se põe
Esperando o mês de janeiro chegar
Um jardim de rosas e flores
Enfeita os vestidos das meninas
Isso mesmo, as pastorinhas
Até as flores dos Jambeiros
Fazem um belo tapete vermelho
Para elas passearem
O menino Jesus sorridente
As presenteavam com um lindo sorriso de luar
E neste mesmo período
Quando o rio enchia
Francesa agita-se toda
Até o horário
De meio-dia
Com barcos e rabetas rasgando
O rio carregado de vidas
Mês de junho então chegava
E já podíamos ouvir
As casas exalando as toadas
E os prédios antigos amarelados pelo tempo
Assoviavam lembranças
Curumins dançavam com seus curuatás
E cunhantãs bailavam com o vento
Bandeirolas coloridas no alto
Agigantavam o lugar
E tudo neste período se agitava
Era o frenesi da grande festa
Alvoradas que terminavam em um amanhecer
Banhando uma multidão de encarnados
E há também uma estrela
Que faz das noites o seu reinado
Ardendo nas fogueiras
O amor infinito azulado
Com toda essa grandeza
Cujas garças reverenciavam nossa beleza
As aves e os peixes sussurravam
Que esta ilha é uma terra abençoada
Onde artistas nasciam feito orvalhos
Chuva de verão no chão desabava
E o seu barulho nos comunicava
Que não cabe em um poema
A imensidão de Parintins
E mesmo que Deus a tenha feito pequena
Com suas garças, açaí, tacacá e morenas
A Presentou com imaginação sem fim
Parintins tem capacidade de inventar-se
Inventar o verão com sol azul
Criar a chuva vermelha
Plantar Catedrais no coração
Fazer rio virar romaria
E todas as coisas ainda não inventadas
Tornarem-se poesia.
Entrevista maravilhosa. Muito bom saber um pouco do que se passa na mente desse poeta brilhante. Parabéns Jousofe!
isso. acho ele maravilhooso.
*Jousefe!
oi, obrigado. também acho ele maravilhoso.
Gosto de ler suas poesias, não consegui mais acessar sua página.