Pesquisador propõe criação de parque de bioindústrias do peixe no AM
Por Wilson Nogueira
O livro de Deusamir Pereira é resultado da sua tese de doutoramento defendida e aprovada no Programa de Pós-Graduação em Biotecnologia da Universidade Federal do Amazonas (PPGBIOTEC/Ufam).
“Trata-se de uma tese propositiva”, afirma o pesquisador e professor que também se dedica à assessoria empresarial na área de inovação e novos negócios.
Por isso, a imprimiu em livro (Valer), para que a proposta circule, motive debates e ganhe corpo entre professores, cientistas, políticos e, sobretudo, entre investidores em negócios sustentáveis.
Ele parte do princípio de que um parque biotecnológico de pescado no Amazonas, com acompanhamento científico, pode produzir peixes – e subprodutos de peixes – para atender o mercado interno e ainda países importadores. Tudo isso, segundo ele, de acordo com as exigências de sustentabilidade econômica, social e ambiental.
Seus argumentos estão cercados de bibliografia especializada, dados de organismos nacionais e multilaterais e ainda de larga experiência pessoal como amazonense conhecedor das várzeas e dos rios da Amazônia.
Confira:
Primeiro, é importante que o senhor destaque os caminhos da sua pesquisa para a realização desse livro?
Na verdade, trata-se de nossa tese de doutorado em biotecnologia no programa PPGBIOTEC da Ufam, a qual se caracteriza como uma tese propositiva, objetivando a aplicação da biotecnologia a processos produtivos de nossa rica biodiversidade.
Existem hoje condições objetivas [econômica, social, ecológica] para a criação de um Parque Tecnológico de Bioindústrias do Peixe na Amazônica?
Nossa tese tem como ponto de partida a realidade macroeconômica do mercado de alimentos que se encontra em crise há muito tempo, desde os tempos do Clube de Roma, a gênese da teoria malthusiana, da carne bovina com o fenômeno da vaca louca, da carne suína com a influenza, da carne do frango com a gripe aviária.
Enquanto isso, o peixe é o alimento mais rico em proteínas. E claro, por mais paradoxal que nos possa parecer “não se cria peixe fora d’água” e só nós, na Amazônia, possuímos 23% da água doce do planeta.
A proposta é a produção do peixe em escala industrial ancorada na ciência e na tecnologia, para sua reprodução no seu habitat natural. Hoje, é consenso científico de que desenvolver a Amazônia de forma sustentável tem que ser uma realidade econômica, social e ambiental, e nesse particular tem que ser cientificamente correta.
Nossa tese partiu da análise econômica do peixe como se fosse uma commodity. Pela conversão do quilo para o litro, construímos um “barril de peixe” para comparar com a principal commodity, que é o petróleo, e chegamos a surpreendente conclusão de que o “barril de peixe” vale 12,4 vezes mais do que o petróleo.
E enquanto o pré-sal está a 6 mil metros de profundidade o nosso “peixal” está sob a superfície de nossa fitogeografia aquática, nossos lagos naturais. Não desenvolver esse potencial econômico que, de início, equivale no 1.º ano a 3,5 o faturamento da Zona Franca de Manaus, é um ato de estupidez imperdoável.
E por que o senhor sugere que esse parque seja instalado na região de Manacapuru?
Os municípios de Anamã, Anori, Beruri, Caapiranga, Careiro da Várzea, Manaquiri, Autazes e Manacapuru possuem a mesma fitogeografia aquática, constituídos por lagos naturais, a infraestrutura básica da piscicultura, além de propiciar a construção do porto exportador e de sua logística própria, uma vez que tem navegabilidade o ano inteiro.
Quais mercados poderiam ser alcançados a partir do Amazonas com um bom nível de competitividade, considerando os custos da região?
A FAO (organismo da ONU que trata da segurança alimentar do planeta) em 1995 já fixava como meta da segurança alimentar do planeta o aumento de 40% na produção da piscicultura a ser alcançada em 2010, e é claro que isso não foi atingido. O mercado para o nosso parque é o mercado externo, onde a produção do parque não será suficiente nem para atender a necessidade da China, por exemplo, que será muito cobrada pelo mundo pelo seu hábito alimentar responsável pela causa da Covid-19, por exemplo.
Já ouvi depoimentos públicos dando conta que o CBA não avança porque está nas rédeas do capital do Sudeste. Então, como o CBA poderia colaborar com um parque tecnológico de peixes?
O CBA é uma parte importante das pesquisas a serem realizadas, mas infelizmente sua concepção com a mudança do governo sequer foi entendida pela “elite dominante” que só fixou seu olhar no dedão do próprio pé, uma elucidação educada à corruptocracia que se implantou institucionalmente no país.
Fale-nos um pouco sobre esse conceito de biopsicultura?
O país que mais se desenvolveu historicamente foi o Egito e foi a partir das margens dos rios. O rio Nilo alagava periodicamente as suas margens e ao voltar ao leito normal deixava uma camada de húmus fertilizante que tornava as terras mais apropriadas ao cultivo, o que deu origem ao desenvolvimento da agricultura.
Nos nossos rios, essas camadas chamamos de várzeas e darão origem a uma infinidade de biomedicamentos, por exemplo, que se constituirão em riquezas imensas em nível mundial. Será efetivamente uma indústria da vida, mesmo, a partir do peixe, pela carne, pela gordura, vísceras, óleos etc.
O que o senhor tem a dizer àqueles que acham inviável compatibilizar proteção ao meio ambiente no capitalismo?
Eram os mesmos ignorantes que se opunham ao impacto da ciência (também via biotecnologia, em especial a biomassa) à cadeia produtiva da cana de açúcar, que rompeu com o atraso dessa atividade econômica do Brasil Colonial da escravidão, e inaugurou o moderno agronegócio responsável por mais de 50% do PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro. Que estudem, estudem e se vistam de probidade intelectual…moral…política com P maiúsculo.
A aplicação dos resultados das pesquisas científicas [inclusive as de mercado] sobre o setor pesqueiro já seria suficiente para atrair capitais [privados] de investimento em produção?
O Chile, com apenas uma espécie o salmão, fez o mundo consumir essa proteína e elevar de 0 a 18% de seu PIB, com essa nova atividade econômica. Imagine a Amazônia com seus mais de 3.500
espécies e único a possuir 23% da água doce do planeta?

Aliás, uma das pernas da ZFM era a do setor primário, que nunca deu um passo sequer. Por quê?
Recomendo a leitura de meu livro: Amazônia (In)sustentável: Zona Franca de Manaus, estudo e análise, única obra a analisar o modelo cientificamente e atestar a sua insustentabilidade. Mas fundamentalmente o polo industrial que aqui se implantou não utiliza nada de nossas potencialidades. Até o material para embalagem vem de fora, não tem nenhuma conexão com as nossas imensas riquezas naturais. Como é que na Amazônia tem mais 90% do princípio ativo de todos os medicamentos do mundo e não se tem uma indústria de fármaco no PIM?
Qual o risco de se acentuarem os conflitos sociais nos rios, lagos e lagoas com uma possível invasão do capital em busca de áreas para criar peixes?
O processo produtivo dessas bioindústrias do peixe será cientificamente estruturado com base C&T&I, a exemplo do Chile, como citei. Por isso, não tem nada a ver com o processo produtivo artesanal da piscicultura (cujas técnicas datam do período neolítico), logo o controle e monitoramento de nossa ictiofauna será eletronicamente, via TI, como já se utilizam muitas ferramentas tecnológicas para observar o desmatamento, que serão desenvolvidas para os lagos e rios e toda a sua ictiofauna.
Com a pandemia do novo coronavírus, parece-me que o mundo começa acordar para a seguinte questão: vida humana e vida animal estão entrelaçadas. Ambas devem ser devidamente cuidadas. Em que medida um Parque Tecnológico de Bioindústrias do Peixe contribuiria com essa ideia?
Quando o mundo todo está bradando hoje em tom maior que se deve promover o desenvolvimento sustentável da Amazônia, só falta (por desconhecimento, óbvio) dizer implantem esse parque tecnológico de bioindústrias do peixe, que é a nossa verdadeira Zona Franca Verde (não uso a expressão por ter sido banalizada pela corrupção política tupininquim, no passado recente).
Como o senhor pretende ser articular, como pesquisador e empresário, para tirar essa ideia do papel.
Hoje estamos buscando caminhar, no caminho natural de um parque tecnológico, que é uma interseção entre academia e mercado. Nesse sentido estamos agindo nós, enquanto pesquisador, a Ufam, o Ifam e a UEA em busca de se estabelecer a formatação junto as instâncias governamentais do devido marco de uma política de Estado e não de governo, como deve ser.
Qual a recepção do livro entre os especialistas?
Estamos em pré-lançamento, mas já nesse início tenho tido ótima receptividade e muitos convites para palestras e exposições para o período pós-covid-19.

Perfil
Deusamir Pereira é doutor em Biotecnologia pela Universidade Federal do Amazonas (2010).
Atua como professor em programas de pós-graduação da Universidade Nilton Lins, da Universidade do Estado do Amazonas (UEA) e da Uninorte/Laureate.
É professor titular nos cursos de graduação em Administração, Economia, Contabilidade e Direito do Centro Integrado de Ensino Superior do Amazonas (Ciesa).
É também consultor empresarial nas áreas de Engenharia de Novos Negócios e Inovação.