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Canto breve, de Raimundo Nogueira, apela ao diálogo planetário

Por Wilson Nogueira

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Raimundo Nogueira elabora a sua poesia com sabores, cores e odores das águas e florestas do interior da Amazônia. É desse cipoal de percepções que se projetam a beleza e o vigor poéticos do artista em busca de um diálogo planetário.

Assim, Canto Breve (Editora Valer) é um livro de estreia que ecoa os sentimentos – dos mais sublimes aos mais terríveis – que tornam os humanos iguais nas diferenças. Daí a ideia do diálogo possível, por meio qual a humanidade deve encontrar soluções para corrigir e aperfeiçoar a sua rota de destino.

Seus versos têm a simplicidade e, ao mesmo tempo, a complexidade das conversas e das contações de histórias dos guardiões do imaginário sobrevivente ao processo colonizador.

A filósofa Neiza Teixeira, coordenadora editorial da Valer e apresentadora do livro, enfatiza: “[…] Este é um livro de reintegração. Ele assinala para um caminho, construído por faíscas para pensarmos a Amazônia e as suas gentes”.

Confira a entrevista:

Primeiramente, parabéns pela obra!. Aliás, acho importante que o senhor apresente-a por meio da sua perspectiva poética.

Canto Breve é um olhar para o homem que habita a Amazônia, mas que transborda para a humanidade planetária. O material discursivo é regional, mas a temática – o amor, a solidão, a vida, a cobiça, o conflito homem versus natureza, a prevalência do capital sobre o humano etc. – é universal, alcança qualquer lugar em qualquer tempo.

E Raimundo Nogueira, o poeta, quem é? De onde vêm as suas inquietações?

Sou um amazônida, nascido no Lago do Arara, à época interior de Manacapuru. Vim para a cidade aos 13 anos.

Portanto, minha infância e adolescência foram marcadas pela presença de muita água – rios, lagos, paranás, igarapés e igapós – e abundante floresta, com seus exóticos habitantes.

Mais que isso: fui marcado por crenças, cores, odores, sabores, sons, narrações de “causos”. Logo no início da juventude, já cidade, tomei consciência de que uma parte do mundo – aquela da minha infância e adolescência – era natural, mas que a outra parte era construída pelos homens.

E o que eu via nesta parte construída pelos homens me causavam muitas inquietações. Minha poesia é fruto da convergência dessas duas experiências.

Por que Canto Breve? Há algo mais do que especial nesse poema que o senhor poderia compartilhar com os leitores?

O Canto é breve por duas razões: primeira, porque é composto de tão-somente 29 poemas; a segunda, porque os poemas são curtos, de tal modo que o menor é composto de três versos e o maior, de onze.

Todavia, penso que a brevidade, neste caso, não prejudica a mensagem ou discurso poético, pois, além da densidade que carrega, cada poema fala pelos versos que têm e por aqueles que eventualmente lhe faltam.

Seus poemas imprimem rastros da sua ilustração intelectual. Conte-nos um pouco mais sobre suas leituras preferenciais.

Até aos doze anos, morava na zona rural do município, na vila São José, lago do Arara, onde nasci. Na época, era um lugar isolado, de difícil acesso (sobretudo na vazante) e pouco habitado.

Não havia biblioteca no lugar e material impresso era gênero escasso até mesmo na escola. Não havia livro didático e o estudo se resumia no ensino da leitura e do cálculo, contando, na melhor das hipóteses, com o ABC e a Tabuada.

Não obstante, dois personagens da minha infância, que nada tinham a ver com a escola, despertaram-me o interesse pela leitura, uma experiência que só foi possível depois que minha família mudou-se para a cidade.

A primeira personagem era “seu” Eugênio, um homem negro casado com uma mulher muda, a Iracema. “seu” Eugênio era um exímio contador de causos, não apenas porque suas narrações eram fantásticas, mas também porque o fazia com gestos e entonações que emprestavam realismo ao que dizia.

Nos velórios ou nas noites de dias festivos, “seu” Eugênio era presença obrigatória. Em seu redor, reuniam-se senhores, senhoras, jovens e crianças para ouvir causos de encantamento, caçadas e pescarias fabulosas, mistérios da mata e das águas, gente que, em certas noites, se transformava em bicho etc.

A outra personagem era “seu” João Brabo, um nordestino que apareceu no Arara e se tornou um agregado do meu tio e nosso vizinho mais próximo.

Depois de um dia de trabalho na roça, “seu” João Brabo aparecia à noite, uma ou duas vezes por semana, durante uma safra, a fim de ler literatura de cordel para uma plateia formada, sobretudo, por rapazes, moças e crianças.

Eu me encantava com aquelas narrações rimadas, enfatizadas com gestos e entonações, sobre reis e rainhas, príncipes e princesas, cangaceiros e coronéis, santos e demônios, homens virtuosos e trapaceiros que enganavam até diabo.

Por muito tempo, aqueles personagens do cordel me visitavam, em sonhos, nas noites das safras seguintes.

“Seu” Eugenio e “seu” Joao Brabo marcaram minha infância e despertaram meu interesse, inicialmente por narração oral ou escrita, e depois por qualquer livro.

Entretanto, só aos 14 anos, já na cidade, li o primeiro livro: um pequeno volume contendo os Evangelhos, que guardo até hoje. Desde então, leio tudo que ´posso, inclusive bula de remédio. A única leitura que faço a contragosto é aquela obrigatória, do tipo para cumprir uma tarefa escolar.

Sei que o senhor mora em Manacapuru (AM), uma cidade ribeirinha. Como é viver, poeticamente, numa cidade localizada na beira do rio. A rotina do poeta, por exemplo.

A Amazônia, para mim, é sinônimo de mistério, de pluralidade de sentidos, de diversidade de cores, sons e sabores. Tem tudo a ver com poesia.

Minha rotina, em Manacapuru, não tem nada ou quase nada de diferente dos outros moradores. O que difere um poeta de um não poeta é a maneira singular – e surpreendente – pela qual ele ver o mundo e a vida.

Nesta perspectiva, a presença do grande rio e da floresta no entorno da cidade é mediadora da minha percepção do que se situa para além do horizonte. Este é o meu lugar de fala.

Seus poemas têm força de denúncia, como em A pata do boi. É essa, também, a perspectiva do poeta em relação ao espectro de leitores?

A exploração agropecuária em áreas de “terra firme” desta parte da Amazônia não apenas impõe um alto custo ambiental, mas também um pesado passivo econômico.

A pecuária e a agricultura nesses espaços requerem desmatamento, queimadas e correção do solo, que registra alto teor de acidez e acentuada pobreza de nutrientes.

A existência da floresta, nessas condições, é um milagre. E não devemos esquecer que os rios dependem da floresta.

Os poemas Milagre, Apocalipse e A pata do boi denunciam essa loucura, essa agressão que é a pecuária na Amazônia.

Apocalipse

Fogo inextinguível

consome a floresta ressequida,

A vida, multiforme,

agonizada indefesa.

Rios moribundos,

conduzem veneno letal,

A fumaça furtou a visão dos humanos,

mas agora

suas carnes queimam em brasas.

A preservação da floresta, ao contrário do que alguns dizem, não é incompatível com a exploração econômica de seus recursos naturais, mas é preciso um zoneamento ecológico-econômico para identificar a vocação de cada macro e microrregiões, delimitando os espaços nos quais a exploração dos recursos naturais se revele compatível com a sustentabilidade do meio ambiente.

Ainda nesse sentido, observo que seus poemas colocam em circulação palavras correntes no interior da Amazônia. Trata-se de uma postura política e/ou estética?

O material discursivo, base da criação artístico-litera, advém do contato do poeta com o mundo. A linguagem amazônica – com seu léxico, por exemplo – faz parte do meu mundo, de modo que soaria superficial usar um vocabulário emprestado de outrem.

Nesse sentido, há, embutida, uma postura política de não negação da minha identidade, de afirmação altaneira da minha amazoneidade.

Seus poemas me levam ao ensaio de Leandro Tocantins O rio comanda a vida. O que o senhor pensa sobre a minha afirmativa?

Concordo com sua afirmativa. Os rios foram as portas de entrada para a exploração, conquista e ocupação da Amazônia pelos europeus.

As populações nativas dependiam dos ciclos das águas para o desenvolvimento da agricultura, além dos rios para a pesca e o contato com outras comunidades. E sempre foi assim no curso da história regional.

A vida na Amazônia, aliás, depende de duas combinações importantes: da água abundante e da extensa cobertura florestal, ambas ameaçadas pela insensatez humana.

Lendo os seus poemas, percebo uma voz se pronunciado do interior da Amazônia para outras paragens, sem a necessidade de rodapés. É isso mesmo? Há essa intenção ou estou viajando para além de …?

Sim. Há uma multiplicidade de vozes falando sobre e para a Amazônia. Na maioria das vezes são vozes legítimas, bem intencionadas, mas são de fora para dentro.

É como se não tivéssemos voz própria e precisássemos de intérpretes que falassem por nós. Queremos participar da conversação, do diálogo, porque somos os maiores interessados.

E as gentes do interior – ribeirinho, índios, extrativistas etc. – precisam ser ouvidos sempre, porque têm muito a contribuir.

O senhor está satisfeito com a apresentação impressa dos seus poemas?

Estou muito satisfeito. Capa, projeto gráfico, ilustração – tudo bem trabalhado. Sou grato à Valer pelo tratamento dispensado na edição do meu livro. Nessa caminhada, duas pessoas foram muito importantes: Isaac Maciel, editor, e Neiza Teixeira, coordenadora editorial.

Gostou das ilustrações?

Sim, sim. As ilustrações são simples, mas bastante evocativas.

Capa do próximo livro do autor: literatura infatojuvenil

Quais são as novas incursões literárias do senhor?

Tenho duas obras em processo de edição pela Valer, com perspectiva de publicação ainda este ano.

A primeira é uma fábula, cuja temática é a cidadania militante como como caminho para a construção de uma sociedade melhor para todos.

A segunda é uma história curta, que fala da violência doméstica.

Ambas são ambientadas no interior da Amazônia.

São textos para o público infanto-juvenil, mas que pode provocar a reflexão nos leitores adultos.

Qual a sua perspectiva de recepção? Imagina quem são os seus prováveis leitores?

Espero que desperte o interesse dos amantes da poesia e do público que gosta de livros, seja em verso ou prosa.

Também espero que professores e alunos procurem pela obra. Finalmente, acho que Canto Breve vai chamar atenção de parte daqueles para quem a Amazônia é um tema caro.

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