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Fátima Guedes diz que assume a poesia como processo de libertação

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A poeta parintinense Fátima Guedes tem a poesia como uma das maneiras de expressar a sua indignação contra todas as formas de injustiças sociais, práticas e filosofias que reduzem o ser humano a coisas ou objetos.

Para além da poesia, essa professora aposentada é militante das antigas: promove balburdia nas esquinas com jovens artistas e participa do movimento contra violência doméstica e outros  crimes as mulheres.

Hoje ela e o seu companheiro, o jornalista Floriano Lins, estão recolhido em um pequeno sítio, o Cóio, localizado na periferia da cidade, onde cultivam hortaliças, frutos regionais, raízes e muitas plantas medicinais.

É do alto desse estilo de vida simples e cercado de verde que Fátima Guedes escreve seus poemas com palavras e gestos que cativam leitores e admiradores da sua militância política/poética feita de pura rebeldia.

Confira a entrevista:

Em seis versos, quem é Fátima Guedes?

Entre riso e dor, ódio e amor reinvento a jornada

Reúno energias, teço poesias

Silêncio vira gestos, anúncios sobre ruas, praças, escolas…

Revolução anunciada

Acalanto esperanças, transgrido estigmas de dor

Morre a infância destruída, e brota uma nova vida: milagre de amor

A sua poesia de Fátima é feminista?

Entendo como poesia a linguagem da alma; a livre expressividade manifestada em códigos linguísticos de variados tons e ritmos. Independe de formação técnico acadêmica.

Do ponto de vista da chama que me incendeia e do chamado à intervenção e ao enfrentamento aos perenes agravos ao direito universal por uma vida digna, assumo meu ser poético.

Quando a dor ou a alegria extrapolam o inexplicável conhecido, a natural sensibilidade dialógica de meu eu incorpora cores, tons, ritmos e se lança em forma de anúncios/denúncias.

O feminismo que cultivo e vivencio irmana-se a todas as categorias (independentemente da espécie) vulnerabilizadas que se abrigam no colo da Terra Mãe. Na práxis patriarcalizada, ser fêmea é arquétipo de inferioridade, fraqueza e, portanto, identifica-se a todas as especiais vulnerabilizadas.

Quais os elementos de reflexões e fazeres que contribuem com sua poesia?

A princípio, a autoconsciência sobre o UNO me abre portais de sensibilização e captação de clamores universais por emancipações além do materializado percebido. As injúrias sobre qualquer Ser (humanos, bichos, florestas, rios, ar, terra, pedras e etc.) me chegam cotidianamente pedindo intervenção e até enfrentamento. Dependendo da natureza do pedido de socorro e da potencialidade dos elementos opositores, estrategicamente, no processo de intervenção/enfrentamento, sirvo-me de cores, tons, ritmos verbais, conforme o dito na poética popular – “Com cuspe e jeito se enraba o sujeito”. Na sequência, materializam-se meus fazeres:

Sobre a lama, sobre o lixo, sobre a morte, sobre o descaso feito acaso

Sou humana, sou pessoa, sou Mulher…

Na rua, na zona, na vida

Coragem, decisão, ousadia

Ilustram meus espaços de luta

Na busca da Liberdade.

Quando veio o primeiro livro de Poesia? 

Meu processo de libertação nasce a partir da descoberta de mim, enquanto humana, mulher; enquanto Ser capaz de se reconhecer oprimida, e então, se auto educar, se auto libertar e auto administrar…

Tudo começou após meus 40 anos. A caneta e o papel foram leais aliados e confidentes.

Aos 50 anos, com apoio de amigos, lancei Ensaios de Rebeldia. A obra reúne poesias e ensaios.

Qual a melhor das suas poesias? Preferência pessoal. 

Cada expressividade é um reflexo do que sou e do que vivo. É um pouco difícil optar pela melhor produção, porém, em Bem-Aventuranças de uma transgressora, resumo minha historicidade em forma de poesia.

Qual a repercussão da pandemia no seu fazer poético?

São os conflitos existenciais que me permitem ousar na criatividade e nas mais diversas reinvenções.

As incertezas ativam inquietações: a alma, sob acalantos de formas, tons e ritmos, viaja no inexplicável.

As estratégias sistêmicas de defesa e prevenção à pandemia impuseram isolamento social que, a partir de um olhar revolucionário, contribui para um repensar sobre a dinâmica da vida e sobre novos fazeres.

Nesse sentido, o exercício da livre poesia nos leva a vislumbrar mundos possíveis, a desenvolver uma nova consciência por modos sustentáveis de vida comunitária regada com matizes de amorosidade universal.

É uma terapia sem precedentes contra a solidão, às iniquidades sistêmicas manifestadas na pandemia virtual.

A senhora conhece os perfis dos seus leitores e leitoras? 

A  maioria de leitorxs de meus rascunhos literários vem da academia, de movimentos sociais, feministas…

Organizações de outros países também procuram. Em argumentos sobre o interesse pelas obras, apontam as inovações de temáticas, sempre na contramão do ‘lógico’; do ‘politicamente correto’; do academicismo reinante na maioria das produções literárias, já saturadas em reproduções e metodologias.

Quais o seus escritores/escritoras preferidos/preferidas?

A partir das conquistas feministas, o acesso a obras e referenciais teóricos de mulheres ficou mais fácil.

Nos primeiros passos de minha jornada histórica foi mais difícil o acesso.

Na infância e adolescência nos era imposta pelas famílias, pelas escolas e igrejas, leituras da Bíblia, de escritores afins e de alguns renomados da literatura brasileira… Tudo macho.

Raquel de Queiroz fluiu já em minha fase de buscas. Até hoje, tenho dificuldades de encontrar teóricas para referendar em artigos.

As próprias universidades fortalecem a macholinguística. Apesar de todos os bloqueios, sempre me interessei por obras político revolucionárias.

A princípio, absorvi Paulo Freire, Neruda, Eduardo Galeano, Michael Lövy, Darcy Ribeiro, Feodor Dostoievsky, Elder Câmara, Casaldáliga, José Saramago (Feminista em potencial); tornei-me mais MULHER com Gioconda Belli, Gabriella Mistral, Eliane Brum, Isabel Alliende, Conceição Evaristo, Violeta Branca, Alexandra Kollontai, Virgínia Fontes, Clarissa Pínkola, Marta Harnecker… São minhas bases inspiradoras.

O que a senhora pensa sobre o título/imagem de Parintins: a “capital nacional do folclore”?

A questão exige reflexão crítica sobre o universo dos discursos do modelo neoliberal, massificados por mídias venais.

Os significantes – capital e folclore, clamam por um entendimento realístico, concreto sobre o que se diz e sobre o que realmente é ou se tem.

Na perspectiva de Cidades Saudáveis, Parintins está muito longe do perfil de capital: está mais para freguesia (território de fregueses)…

As iniquidades sobre a sadia qualidade de vida são gritantes, ao mesmo tempo, ignoradas por gestores que ‘pintam’ de autoridades.

Em se tratando do termo folclore, não é diferente: de manifestação popular de cultura, virou mercadoria turística; fonte de enriquecimento ilícito de grupos mandonistas; estratégia de exploração do trabalho artístico das massas de reserva…  O rótulo “capital nacional do folclore” é mais uma cachaça para embriagar viciadxs em orgias mercadológicas.

 Setores da política militante de sua cidade lhe tacham de radical? Que pensa sobre isso?     

Há militantes e militantes. A questão varia do ponto de vista ideológico. Há militâncias que somam e outras que dividem.

A história é pontuada por tais vieses. No entanto, o sentido etimológico de radical é arrancar pela raiz; não há meio-termo; é sim, sim!… Não, não! Sou consciente de que me tacham de radical, num sentido pejorativo.

Principalmente setores direitistas e até esquerdistas equivocados em relação à luta de classes. Na verdade, tal tachação não me incomoda. Sou livre para me expressar em conformidade com minha ética: liberdade e autonomia.

Ser diferente numa conjuntura em que valores inalienáveis, segundo Marx: arte, ciência, amor e consciência vão a leilão e assumem preço de mercado, é privilégio. Sou Povo; não massa.

Como se define no espectro ideológico da política brasileira?

Bem empregado o termo ‘espectro’ relacionado à política brasileira: é um fantasma assustador. Em meu entendimento, a partir de diálogos com pensadores/as confiáveis, minhas concepções conflitam com o perfil da dita política do Estado Democrático de Direito.

Concebo política na perspectiva de um valor socialmente humanizado centrado na autoeducação e no autoconhecimento; no exercício justo de um povo consciente e senhor de si.

Bem diferente da práxis abjeta, vergonhosa, cristalizada nas estruturas da prostituída república brasileira.

A tal realidade, Rui Barbosa definira politicalha: “a indústria de explorar o benefício de interesses pessoais; envenenamento crônico de povos negligentes e viciados pela contaminação de parasitas inexoráveis; malária dos povos de moralidade estragada”.

Minha “tese” vagueia na contramão desse modelo. Nem me atrevo dialetizar. Arrisco-me, tecendo células de resistência e luta com aquelas e aqueles que comungam de minhas percepções.

A senhora já pensou em concorrer, por meio de eleição, a cargo público?

Jamais. Contraria minha ética. Nesse modelo de estado, eleição não muda nada.

Por mais puras e verdadeiras que sejam as intenções de militâncias políticas de esquerda, o modelo político-administrativo que domina o mundo, o neoliberalismo, não admite a prática da Justiça Social. Opõe-se a quaisquer tentativas de promoção de desenvolvimento humano, pleno e digno.

Raríssimos países sobrevivem quando teimam, no entanto, sob constantes pressões, ameaças e bloqueios. Eis como funciona no Brasil: militantes eleitos pelo voto popular ou se ajustam às regras do Estado ou são rechaçados, e até condenados; puxam-saco ou são excluídos e silenciados para sempre.

Com base nos diálogos sobre a questão, há caminhos, inéditos viáveis: a efetivação da Educação Popular, enquanto prática de libertação e autonomia; e o exercício pleno da democracia participativa.

São caminhos de reinvenção da política – exercício justo de um povo consciente e senhor de si mesmo. Persigo essas diretrizes.

Considerando que não temos teoria e nem prática revolucionárias para um enfrentamento radical ao sistema, insisto na construção de células organizativas de Educação Libertadora.

Perfil

Fátima Guedes é educadora popular e pesquisadora de conhecimentos tradicionais da Amazônia. Graduada em Letras pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ), tem especialização em Estudos Latino-Americanos pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJ F) em parceria com a Escola Nacional Florestan Fernandes (ENFF), Guararema (SP).

É também fundadora da Associação de Mulheres de Parintins, da Articulação Parintins Cidadã, da Teia de Educação Ambiental e Interação em Agrofloresta, e Militante da Marcha Mundial das Mulheres. Autora das obras literárias, Ensaio de Rebeldia e Algemas Silenciadas.

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2 Comentários
  1. Maíra Diz

    Minha ídola 😍

  2. INÊS Diz

    Ousadia nas palavras e coragem nas ações. Simplesmente amo!

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