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Luiz Bacellar – da morte para a vida [Por Tainá Vieira*]

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A primeira vez que ouvi falar em Luiz Bacellar foi no ano de 2005, estava na casa de uma amiga bacellariana, apaixonada pelo livro Sol de feira, lembro-me perfeitamente de tê-la ouvido recitar o “Rondel do marimari”: marimari /em longas trilhas/ de tenro limo/ doces pastilhas/ como obras-primas/ encadernadas/ de veludinho,/ enfileiradas/ nos seus alvéolos,/ iguais freirinhas/ verdes, deitadas/ nas suas celas/  arrumadinhas/ e separadas.

Ela se ria fascinada porque achava o máximo o poeta transformar frutas em poesia, falou-me que o conhecia, que ele sempre fora gentil e que o achava um galanteador. Decerto que depois de tantas referências boas sobre o poeta a curiosidade me invadiu e peguei emprestado o Sol de feira e li e me encantei e desde então eu também me autodenominei uma bacellariana.

Mais tarde em 2010, quando eu já estava casada com o Zemaria Pinto, passei a ter mais contato com ele, tivemos vários encontros na “Panelinha”, esta que é um encontro literogastronômico, e outros eventos por aí, além da honra de tê-lo recebido por dois natais, como a um membro da família.

Em 19 de março de 2012, após o almoço em um restaurante no Centro de Manaus ele fora acidentado. A partir desse momento o caos e a agonia pairam sobre tudo. Alguns meses depois, os amigos perderiam um grande companheiro e a literatura nacional imortalizava um dos maiores poetas que esta terra produziu.

Agora o que vou lhes contar, mantenho comigo como um tesouro, daqueles bem raros, que só se acha uma vez na vida. Do período de seu acidente até um ano após o seu falecimento conectei-me com Luiz Bacellar como se disso dependesse a minha vida.  Estive em todos os hospitais por onde ele passou.

Na Fundação Dr. Tomas, no período em que ele esteve lá, levava-lhe o jornal do dia, livros e frutas, e até hoje não me conformo de ele ter ido “morar” naquele lugar. Perdoem-me a soberba, mas aquela hospedaria não o merecia.

Quando foi preciso, ele teve que ir para a Fundação Cecon, e lá eu e outras pessoas estávamos com ele, amigos, conhecidos e parentes não o abandonamos em nenhum minuto, em nenhum momento ele esteve sozinho como vivia; nos dividíamos e nos uníamos para estar com ele.

Ele tinha uma técnica de enfermagem que a Fundação de Idosos disponibilizava para ficar à sua disposição, havia o próprio quadro de enfermagem da Fundação Cecon, e nós, os amigos, que ele fazia questão de ter por perto.

Eu, a cantora lírica Raquel de Queiroz e o poeta Thiago de Melo, fomos os que mais estivemos com ele nos seus últimos dias. Thiago tratava-o como irmão, tinha carta branca para entrar no hospital a hora que quisesse para ver o “irmão”.

Não sei contar a história da amizade entre Thiago e Bacellar, antes desse período, mas aqueles dias, ainda que tristes, a mim significam muito e os guardarei para sempre no coração.

Recordo-me de Thiago fazendo a barba de Bacellar, numa intimidade e alegria de irmãos. Como poderia esquecer? Num domingo, o telefone toca, era a acompanhante do paciente ao lado de Bacellar, ele pedira a ela para nos ligar e pedir que eu fosse ficar com ele porque a enfermeira não estava lhe tratando bem, era tolice dele, claro, mas eu fui, fiz café, comprei peras, ele adorava peras, e fui. Foi um dos últimos dias que o vi com vida.

Fizemos coisas por Luiz Bacellar que só os amigos fazem, roubávamos ele do hospital para levá-lo ao restaurante, porque ele odiava a comida do hospital ou então pedíamos comida por delivery; ele era tratado por todos como um Visconde, fazíamos todas as suas vontades.

Para o seu aniversário de 84 anos ele desejou comer pato e arroz selvagem, já estava bem debilitado, bem mais magro do que já era, ainda sim, ele escolheu o restaurante e as pessoas que ele gostaria de ter naquela ocasião especial, e celebrou seu aniversário em uma cadeira de rodas, na cabeceira da mesa, em uma terça-feira, 4 de setembro, seria a última vez que sentiria o calor efervescente da cidade tocar-lhe a face.

Um ou dois dias após, ele já estava na UTI, não respondia e nem reconhecia mais ninguém. No domingo, quando estávamos saindo para almoçar, a enfermeira nos liga, aos prantos. “Tainá, o Bacellar morreu!”

Naquele momento eu chorei de tristeza e de raiva, por que ele? Por que morrer daquela maneira? Por que uma vida tão valiosa acaba assim? Sua partida deixaria um vazio imenso em minha alma.

Fomos imediatamente à Fundação e só voltei para casa no outro dia após seu corpo ser sepultado em meio a várias e justas homenagens, como ele merecia. Fizemos um sarau para ele minutos antes de seu sepultamento e outro após um mês de falecido.

A partir daí eu comecei a escrever uma série de textos chamada Platônica, nesses textos eu converso com ele, dou-lhe notícias da terra, conto-lhe os meus segredos, falo coisas que não tive tempo e nem coragem de dizer-lhe em vida.

Outros amigos gostaram da ideia de conversar com Luiz Bacellar em outro plano, e escreveram também, escrevemos durante um ano de partida e também organizamos um sarau em sua homenagem.

E agora, já são 8 anos sem Luiz Bacellar nos encontros da Panelinha, sem celebração de seu aniversário, sem natal, sem bacalhau, sem vinhos e chocolates e sem o seu sorriso sedutor e sua risada irônica.

O que consola é que temos a sua tão valiosa obra, tão vívida e atual. Tão completa. Toda vez que alguém me pergunta se realmente ele era meu amigo, eu respondo que não, porque ele era um ser muito avançado, ninguém estava à altura de sua amizade.

Guardo comigo como joias raras seus livros autografados e uma de suas bengalas. Enquanto contemplava o seu corpo inerte, escrevi-lhe este poema:

 Fênix

Pelas ruas sonolentas da cidade
viaja o poeta.
Uma suave e amena brisa
beija sua face de menino.
Neste crucial instante
ele sente que o mundo é todo seu.

 

Seus poemas divagam

entre as pessoas incrédulas:

elas se embriagam com o licor de suas palavras.

 

E o poeta caminha…

O “sol de feira” é abrasador.

Pelo éter ele adentra e naufraga no céu de estrelas.

Ecoam no espaço os sons mágicos de uma “frauta de barro”.

Nesse levitar os querubins festejam sua chegada.

E a vida irradia os sons poéticos dos sonhos.

 

Poemas adornam o infinito!

 

E o poeta vive…

Qual fênix ressurge

em outras plagas,

enquanto nós, míseros mortais,

vivemos sua saudade.

 

*Graduada em Letras (Língua Portuguesa) e pós-graduada em Linguística, pela Uninorte; escritora e autora do livro Prosa & panela.

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