O amarelo é uma cor emblemática na história da humanidade. Seus diversos tons já foram associados à traição, como a de Judas no período pós-clássico, à exclusão na Idade Média e Renascença e até mesmo à enfermidade no século XIX. Hoje em dia o amarelo ouro é o mais presente, associado ao sol e à criatividade, sendo uma cor vibrante e alegre. Uma cor primaveril.
No início do século XX, estudando os aspectos dinâmicos e econômicos do aparelho psíquico, Freud se deparou com duas tendências muito particulares da humanidade: a capacidade de construir e se voltar para tudo que nos remete à vida e a capacidade de destruir, incluindo a autodestruição, o que nos leva ao estado de inicial de morte. Chamou-as pulsão de vida e pulsão de morte.
Assim como o amarelo, que vai do mais vibrante tom solar, em toda sua potência de transmitir vida, ao amarelo opaco das folhas secas que precipitam o solo após perder a vitalidade robusta da copa das árvores, oscilamos diariamente entre tendências de vida e de morte, em menor ou maior proporção. Para Freud, esses aspectos não são qualitativos, mas quantitativos. Não falamos de valores ou moral, falamos de intensidade e de suas consequências.
Essa reflexão nos leva ao amarelo do setembro amarelo, cor do carro mustang tão querido por Mike Emme, jovem americano de 17 anos que cometeu suicídio. Em seu enterro, seus pais distribuíram fitas amarelas com os dizeres “se você está pensando em suicídio, entregue este cartão a alguém e peça ajuda”.
Com a propagação de campanhas de prevenção ao redor do mundo, muitos se solidarizaram e diversas atitudes são tomadas no decorrer do mês de setembro para repensarmos esse fenômeno que é tabu na sociedade, mas cada vez mais frequente. Se você não é um profissional preparado, possivelmente não saberá lidar com demandas de suicídio, mas isso não quer dizer que você não possa se informar sobre os meios de prevenção e auxílio: redes de apoio, tratamento psicológico e alerta aos sinais de risco. É preciso nos responsabilizarmos enquanto sociedade.
Saber ouvir e suspender o julgamento é o mais importante, não basta ser empático. Nem todo mundo se sente confortável ou preparado para isso e tudo bem. Informe-se para encaminhar e oferecer indicações de ajuda especializada, informe-se para não reduzir ideação suicida à julgamentos valorativos sobre a necessidade dos outros. Lembre-se, o que serve para você nem sempre serve ao outro e é bastante autoritário querer que seja assim.
Quando alguém busca o fim da vida, há aspectos biológicos, sociais, psicológicos e econômicos em jogo. Podemos pensar na pulsão de morte como uma tendência natural na história da humanidade. Dessa forma, não existe unanimidade histórica e nem conceitual a respeito do suicídio. Sabe-se que se tornou tabu em algumas sociedades devido a questões morais, religiosas e midiáticas.
Para Sartre e Camus, a morte voluntária não deveria ser vista como um crime, mas escolha. Diante dessa possibilidade, cabe-nos refletir: qual parcela de responsabilidade temos enquanto sociedade por essa escolha?
Estima-se que notícias de suicídio influenciam em novas ondas, pois pessoas potencialmente inclinadas são vulneráveis a elas e por isso muitos casos são abafados. Isso não quer dizer, no entanto, que devemos abafar a existência do fenômeno em si e tampouco de suas motivações, sociais e singulares.
Algumas pesquisas apontam para fatores de risco como a depressão, abuso de substâncias, isolamento social, conflitos interfamiliares e falta de rede de apoio ativa, mas nem sempre esses são os critérios determinantes. Cabe-nos a informação e a abertura diante dos dados apresentados para refletirmos o fenômeno como social e individual.
Se por um lado, temos cada vez mais alternativas de tratamentos “para cada transtorno, um tratamento”, por outro também temos cada vez mais transtornos, mais fármacos e mais indústria por trás dessas demandas. A quem servem esses sinais, sintomas e as síndromes que se formam a partir deles? Será que apenas profissionais da saúde mental e os “pacientes” estão se beneficiando com isso? É válido levantar essa reflexão.
A escuta ativa (de um profissional preparado) é uma das vias de intervenção, pois permite que a palavra se torne expressão e construção de sentido diante de um ato suicida, seja este uma escolha, um limite ou uma consequência de inúmeros aspectos. Além disso, uma rede de apoio multiprofissional pode potencializar os benefícios de todas as intervenções cabíveis.
Nesse “setembro amarelo”, que possamos refletir e agir de forma cada vez mais ética frente aos outros e a nós mesmos.
*A autora é Mestra em Letras e Artes, Professora de Psicologia no Centro Universitário Fametro, com estudos em psicanálise, filosofia e áreas afins.