[…] Trata-se, portanto, de compreender profundamente, em termos de seus mecanismos fundamentais, de que forma o sonho prepara do sonhador para o dia seguinte.
Como isso acontece, é o assunto deste livro, uma breve história da mente humana pelo fio condutor do sonho.
Para se fazer o percurso será necessário considerar narrativas do mundo todo, mesmo sabendo que é impossível representar as narrativas de todo o mundo.
Incompletude, deslocamento, condensações, multiplicidade de personagens, retorno inesperados, detalhes sem aparente explicação ou mesmo a falta de detalhes relevantes serão nossos companheiros de jornada.
Para tecer a trama de histórias e conjecturas sem perder-se no caminho, será necessário combinar a provisória suspensão da descrença com o compromisso de duvidar no fim.
Sobretudo, é crucial não tentar entender antes da hora, mas sim deixar-se pela correnteza até poder ver em perspectiva conjunto da evidência levantada, necessariamente incompleta, mas ainda assim elucidadora.
Uma última preocupação antes de partirmos: o reiterado, entusiasmado, necessário convite a introspecção.
Espero que esse livro encoraje os leitores a ficarem alguns minutos a mais na cama ao despertar, a fim de lembrar e registrar suas viagens ao interior profundo da mente.
O mergulho nas múltiplas dimensões do sono, arte quase esquecida no mundo contemporâneo pode e deve reativar ancestral de sonhar e narrar.
Sidarta Ribeiro, em O oráculo da noite: a história e a ciência do sonho, Companhia das Letras, 2019.
Jornalista, escritor e sociólogo.