Deprecated: A função Advanced_Ads_Plugin::user_cap está obsoleta desde a versão 1.47.0! Em vez disso, use \AdvancedAds\Utilities\WordPress::user_cap(). in /var/www/html/amazonamazonia.com.br/web/wp-includes/functions.php on line 5381

O festival folclórico de Parintins segundo João de Jesus Paes Loureiro

Compartilhe:

O poeta professor aposentado da Universidade Federal do Pará (UFPA) João de Jesus Loureiro foi o primeiro a apresentar, em tese de doutorado, uma visão panorâmica do Festival Folclórico de Parintins para a academia francesa.

A referência está no estudo sobre imaginário amazônico, tema com o qual ele conquistou o título de Doutor em Sociedade da Cultura pela Université Sorbonne (Paris, França), em 1994.

A tese resultou no livro Cultura Amazônica: uma poética do imaginário (Valer, 5ª Edição), consulta recorrente entre os pesquisadores da poética amazônica.

Paes Loureiro defende nesse e em outros estudos que a Amazônia, por meio da sua estrutura e expressão estética, estabelece diálogo com correntes de pensamento e concepção estética de outras culturas, inclusive das chamadas culturas clássicas.

O festival [Trecho] 

[…]

De acordo ainda com os estudos de Tonzinho Saunier, o precursor do atual Festival Folclórico de Parintins foi organizado em 1965 pelo Sr. Raimundo Muniz Rodrigues, coadjuvado pelo reverendíssimo padre Augusto Xisto Pereira e Lucinor Barros, reunidos na sede da JAC (Juventude Alegre Católica).

Os bumbás se apresentavam, mas sem com- petição. “O verdadeiro Festival Folclórico de Parintins iniciou-se no dia 12 de junho de 1966, como 1.° Festival Folclórico”.

O local foi a quadra da catedral, logo considerada inadequada. A partir de então seu crescimento foi de tal amplitude que se tornou inadiável a construção de um local adequado, um anfiteatro digno do porte da apresentação e compatível com o grande público presente. Em 1983, o prefeito Gláucio Gonçalves transferiu o local de apresentação para o Tabladão do Povo, no local do antigo aeroporto.

Logo no ano seguinte, 1984, no mesmo local foi construído o anfiteatro Messias Augusto. Finalmente, para criar uma infraestrutura compatível com a expansão desse acontecimento, o governador Amazonino Mendes construiu, em 1988, o bumbódromo, anfiteatro de grandes proporções no qual já foi realiza do o 23.° Festival e onde até hoje permanece sendo realizado. Já em 1989, o bumbódromo teve sua capacidade de 13.000 lugares aumentada para receber um público de 35.000 pessoas.

O bumbódromo como teatro, isto é, lugar para ver e ser visto, em torno do qual está constituído de um espaço cênico central para as apresentações, em torno do qual foram construídas arquibancadas permitindo uma visão circular. É um teatro de arena théâtre round, permitindo uma encenação do tipo esférico, segundo o princípio proposto por Etienne Souriau. Seu projeto simboliza um boi estilizado.

Além da finalidade principal de sede do festival, ele atende a necessidades sociais da popu lação durante o ano inteiro: dispõe de salas de aula, posto médico, posto de segurança pública, museu regional, quadra de esportes, apresentação de peças de teatro e de shows musicais. O bumbódromo, com essa estrutura e função, torna-se um verdadeiro centro de convivência cultural.

A partir de uma abertura brilhante do espetáculo, a exibição se desdobra como uma progressiva apoteose, uma vez que há uma sucessão de cenas que primam pelo brilho formal com a finalidade de surpreender, como se fosse o visível desabrochar de uma alegoria.

É um processo de comunhão que se assemelha aos rituais afro-brasileiros de cunho religioso, sendo que, no caso dos espetáculos do Boi de Parintins, é o estético que envolve e motiva o acontecimento, mesmo que a motivação lúdica da competição esteja presente.

A beleza é a armadura e o armamento de cada bumbá: vestimentas, coreografia, música, evolução, originalidade, extensão, visualidade, harmonia, ritmo. Isto é, os mesmos componentes estéticos de uma ópera, de uma peça de teatro, de um balé.

Durante as apresentações dos favoritos Caprichoso e Garantido, há uma comunhão entre o espetáculo e o público de simpatizantes de um ou outro desses bumbás. Trata-se de uma contemplação participante. Enquanto isso, a galera admiradora do bumbá ausente fica no mais absoluto silêncio. A melodia das toadas, o ritmo dos tambores, a evolução do enredo na cena, tudo é acompanhado pela emoção do público que, entre aplausos e gritos, agita centenas de bandeiras com as cores do bumbá que se apresenta. A noite fica constelada de fogos de artifício.

É o momento culminante de uma ambiência estética que envolveu progressivamente a sociedade local e todos os que estavam presentes nesse ato de verdadeira liturgia de paixões. E, ainda, acom- panhando o pensamento de Maffesoli sobre o estilo estético como transmutação de valores, pode-se dizer que nessa relação com o pú- blico ocorre ainda “a estética como forma de sentir e de experimentar Um prazer compartilhado que dissemina e fortalece o em comum”.

Um perazer compartilhado que dissemina e fortalece sentido de comunidade. Uma sucessão de fatos aparentemente banais que se foram estruturando em um estilo de vida e de contemplação do mundo. Não se pode negar a presença de uma estetização de existência, de uma utilização das atitudes de que fala Foucault, a respeito da necessidade de preservar um equilíbrio social.

O tempo de apresentação de cada grupo de boi-bumbá é de três horas. Nem mais nem menos, sob pena de perder pontos. É uma espécie de unidade de horário, taxativamente predeterminada (cap. III – Do tempo de Apresentação, art. 8.° – Regulamento). É um horário a ser obrigatoriamente cumprido, excetuando-se os casos de problemas técnicos e eventuais reconhecidos pelo júri ou em consequência do mau tempo (chuva).

O jogo da disputa pela vitória tem sido aceito pelos organizadores e pela população como uma condição favorável para o bumbá “progredir, evoluir, animar” (palavras de Raimundo Muniz, preservador cultural de Parintins).

O prêmio é uma taça de pequeno valor material. É um troféu que vale pelo que significa. Um símbolo de que, naquele ano, o vencedor era mais artístico, mais original, de melhor plasticidade, melhor música etc. Como nos festivais de cinema, música, teatro etc., o importante é ganhar, porque ganhar significa ter sua superioridade artística reconhecida. E premiada.

É um jogo e uma festa sob uma atmosfera de esteticidade. A profunda necessidade de reanimar os laços comunitários, por meio da aparência cativante das coisas. Dessa aparência que faz de seus conteúdos signos objetos expressando-se por ela, atraindo sobre essa forma as atenções de interesse.

Tudo se opera como um recarregamento de energias vitais por meio de uma potencialidade estética atualizada, co-religação orgiástica comunitária. Não só da comunidade entre si, como da sociedade de Parintins com a sociedade brasileira, por meio de milhares de pessoas que para lá se dirigem, das transmissões televisionadas, da divulgação jornalística, da repercussão turística. É uma que abre espaço para que a esteticidade como vetor de socialização se instaure e motive as relações. Nesse tempo consagrado a ela desenvolve-se uma espécie de liturgia estética.

Embora não haja propriamente o sentido do sagrado, há uma atmosfera de crispação espiritual, intelectual. Uma liturgia estética que se renova todos os anos como se cada vez fosse um tempo inicial. A paisagem ritual dessa festa é constituída por sua esteticidade. O espaço estetizado passa a se constituir um espaço de existência.

O espaço público, especialmente o do bumbódromo, reveste-se de uma nova ordem de valores e significações. Ele forma com as casas, com os barcos cheios de gente acumulada no porto e no rio em frente, uma espécie de todo integrado, um espaço contínuo no qual se instaura uma experiência estética coletiva. O lugar de uma ação coletiva e emocionalmente densa. Tudo vai adquirindo significação: cores, lugares, sons, relações pessoais, simetrias etc.

Nesse aspecto, criando na sociedade local uma sociedade local uma espécie de “equilíbrio antropológico que constitui o humanismo ou o ecumenismo da alma humana (Duran). É por essa via que se pode perceber, na festa de símbolos do Boi de Parintins, “um fator de equilíbrio básico social” que Duran reconhece na imaginação simbólica.

O caráter social da estética fica bem evidente na festa do Boi de Parintins. A ligação entre a organização social e a evolução da norma estética é, evidentemente, indiscutível, assim como tem sua justificação o esquema do paralelismo entre as duas hierarquias; este paralelismo só é incorreto quando o concebemos como necessidade automática e não como simples base de variantes evolutivas.

A sociedade de Parintins, que se apresenta com suas camadas de estratificação vertical com seus próprios cânones estéticos, encontra na esteticidade desses bumbás uma espécie de convergência de gosto, quer como criação artística, quer como recepção. Para essa identidade concorre uma espécie de ponto vélico estético que impulsiona o processo sociocultural pela esteticidade para uma coesão geral do grupo.

[…]

Compartilhe:

Deixe uma resposta

Seu endereço de email não será publicado.